“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”: é com essa dedicatória que começa o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881.
Nele, Machado de Assis cria um narrador que conta as histórias de sua vida depois de morto, mudando o panorama e as perspectivas literárias da época.
Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance inicialmente publicado como folhetim, de março a dezembro de 1881, na Revista Brasileira.
Folhetins são narrativas literárias que surgiram na França no começo do século XIX para serem publicadas aos poucos e de maneira sequencial em periódicos, ou seja, jornais ou revistas.
É a isso que o livro de Machado de Assis deve três de suas características:
A história é ambientada no Rio de Janeiro do século XIX e levanta temas como a estrutura social escravocrata, o cientificismo e o positivismo.
O contexto é tratado por Machado com pessimismo, indiferença e ironia, e esse é um dos motivos que fez com que os críticos literários considerassem a obra como o marco inicial do Realismo na literatura brasileira.
Mas, ao mesmo tempo em que a história tem peculiaridades realistas, seu princípio é um elemento fantástico e inverossímil. Brás Cubas, aquele que narra sua vida em primeira pessoa, é um “defunto-autor”, ou seja, um homem já morto que escreve sua autobiografia.
Memórias Póstumas de Brás Cubas influenciou diversos escritores brasileiros e estrangeiros. Até hoje, o livro ainda é objeto de vários estudos e interpretações de diferentes áreas do conhecimento. Além disso, recebe adaptações para diversas mídias - como o cinema - e traduções para outras línguas.
Nos primeiros capítulos, Brás Cubas explica o estilo de sua narrativa e começa a contar sua história pelo episódio de sua morte. Ele explica seu próprio funeral e a causa mortis: uma pneumonia contraída enquanto inventava o emplasto Brás Cubas, um medicamento sublime e milagroso, destinado a aliviar a melancólica humanidade.
O emplasto era uma obsessão um tanto irônica do personagem principal. O que ele esperava que lhe trouxesse glória e reconhecimento causou, em última instância, sua morte.
É no Capítulo IX, intitulado “Transição”, que Brás começa a relembrar sua própria infância. Nascido em família de elite, ele era uma criança extremamente mimada e maldosa que foi apelidada “menino diabo”. Maltratava as escravas de sua casa quando não tinha suas vontades atendidas e fazia de cavalo um de seus filhos, Prudêncio.
Aos dezessete anos, Brás se apaixonou por Marcela, prostituta de luxo, com quem gastou parte do dinheiro da família. Para que superasse essa primeira decepção amorosa, a família manda Brás para Coimbra, a fim de que estudasse Direito.
Quando retorna ao Rio de Janeiro, o personagem namora Eugênia, uma menina pobre e “coxa de nascença”, mas o relacionamento dá errado, já que a prioridade, para Brás, era manter as aparências e permanecer nos círculos das elites sociais e financeiras.
Em busca da entrada de Brás na vida política, seu pai o aproxima de Virgília, filha do importante Conselheiro Dutra. Ela, porém, escolhe se casar com Lobo Neves, outro interessado na carreira política, e se distancia de Brás. Os dois se reencontram alguns anos depois e se tornam amantes, com Virgília cometendo adultério.
Segue-se, no mesmo momento, o encontro do protagonista com seu amigo de infância Quincas Borba, filósofo maluco que lhe apresenta o Humanitismo, sátira ao positivismo e cientificismo do século XIX, que trata com ironia a lei do mais forte.
Já com o objetivo de tornar-se celebridade e, quem sabe, de ter uma vida menos tediosa, Brás consegue o cargo de deputado. Lobo Neves muda de cidade e leva sua esposa Virgília, o que forçosamente faz com que seu relacionamento com Brás termine.
Abre-se, assim, a possibilidade de que ele se case com uma menina de 19 anos de seu círculo social, mas ela acaba morrendo de febre amarela. Brás tenta então ser ministro de estado, mas fracassa. Depois, funda um jornal e fracassa novamente. E grande parte das personagens que fizeram parte de sua vida também morre.
Como último esforço para conquistar glória e reconhecimento social depois de tantos fracassos e solidão, Brás tenta formular o emplasto do qual já falamos. É com ironia que nesse processo ele pega uma pneumonia, da qual morre aos 64 anos.
Termina de contar sua história analisando tamanha quantidade de negativas, mas identificando um saldo: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.
Como é possível perceber por esse resumo, o enredo não tem nada de impressionante e não apresenta nem mesmo uma história central com clímax.
Ao invés disso, Machado tece episódios e divagações acerca da vida do personagem principal, com a genialidade concentrada na construção do personagem. Brás é complexo, irônico, pessimista e, ao mesmo tempo, idealista. Conversa conosco utilizando-se de uma linguagem que é central para a construção da narrativa e que prende a atenção do leitor. Vale a leitura!
Em quatro das alternativas abaixo, registram-se alguns dos aspectos que, para bem caracterizar o gênero e o estilo das Memórias Póstumas de Brás Cubas, o crítico J. G. Merquior pôs em relevo nessa obra de Machado de Assis. A única alternativa que, invertendo, aliás, o juízo do mencionado crítico, aponta uma característica que NÃO se aplica à obra em questão é: