O “Sítio do Picapau Amarelo” faz parte de grande parte do imaginário coletivo infantil brasileiro. Muitos se recordam de assistir aos episódios ou ler as histórias desses personagens inesquecíveis.
Você se lembra da Narizinho, a menina do nariz arrebitado? E da sua boneca falante, a Emília? Ela tinha um primo chamado Pedrinho e, juntos, eles conheceram o Saci, a Iara e até o Hércules.
A música gravada por Gilberto Gil eternizada como tema do “Sítio” pode despertar mais recordações e ajudar a mergulhar neste universo de Monteiro Lobato, autor original desta obra adaptada para a TV.
Monteiro Lobato, além de criar uma história que vai ficar para sempre na mente das crianças brasileiras, também foi um escritor do pré-modernismo.
Por ter nascido na cidade de Taubaté, sua literatura sempre foi focada nas cidades do interior, principalmente as do Vale do Paraíba.
Ele observou todas as dificuldades pelas quais as pessoas que viviam no interior de São Paulo passavam. Além dos “vícios” que, segundo ele, essas pessoas tinham..
Sua carreira jornalística começou justamente por causa dessa observação. Devido às queimadas – ato de colocar fogo em um terreno para “limpá-lo” –, Lobato escreveu para um importante jornal brasileiro denunciando esse ato e trazendo para os centros urbanos questões de uma cidade que estava esquecida.
Quando as fazendas de café estavam funcionando no vale do Paraíba, aquela era uma região de riqueza e abundância.
Todavia, com o deslocamento do café para o oeste paulista, as cidades do Vale do Paraíba ficaram mortas, esquecidas. Muitas pessoas viviam em situações extremamente precárias.
Na carta em que ele denuncia as queimadas, ele cita pela primeira vez um personagem que se tornaria muito importante e famoso em sua obra: o Jeca Tatu. Ele representa os sertanejos do interior de São Paulo.
Figura do sertanejo Jeca Tatu
Monteiro Lobato tem uma visão preconceituosa de que os sertanejos eram pessoas cheias de cansaço e muito preguiçosos. Para ele, eles eram assim porque eram mestiços, ou seja, filhos da união de indígenas com brancos. Nem precisa dizer que essa ideia é muito errada, não é mesmo?
Ele chegou a chamar o Jeca Tatu de urupê, um fungo parasita, para demonstrar como ele via a situação e a essência do povo sertanejo paulista. Os sertanejos idealizados da época de José de Alencar são muito diferentes dos retratados por Monteiro Lobato.
Em sua antologia de contos “Cidades Mortas” (1919), fica bem elucidado essa tentativa de denúncia dos problemas enfrentados pelas tais cidades mortas.
Após o Jeca, Monteiro Lobato acabou se envolvendo com a questão do petróleo no Brasil. Ele era nacionalista e acreditava que o petróleo era do Brasil e deveria ficar no país. Devido às suas posições ideológicas, foi preso pelo governo.
Quer conhecer mais profundamente a figura do Jeca Tatu? Mazzaropi, ator e cineasta brasileiro, interpretou o papel por muitos anos. Assista ao filme “Jeca Tatu”, de 1959, para entender a visão dos sertanejos que Monteiro Lobato tinha.
“Negrinha” é um conto muito importante do autor que mostra, de forma emocional, a vida de uma moça que ficou órfã ainda criança e foi mantida como escrava por uma senhora rica. Esse conto fala sobre preconceito racial e desigualdade social.
Leia os parágrafos iniciais:
“Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.”
Ler Monteiro Lobato é entender a visão de uma sociedade sobre o interior do país e isso é muito importante para desenvolver um pensamento crítico e conhecer outros pontos de vistas e novas realidades!
Negrinha
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças. Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma – “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo. Ótima, a dona Inácia. Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. [...] A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos – e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e zera ao regime novo – essa indecência de negro igual.
(LOBATO, M. Negrinha. In: MORICONE, I. Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000 (fragmento).)
A narrativa focaliza um momento histórico-social de valores contraditórios. Essa contradição infere-se, no contexto, pela