Se te perguntassem qual é o verdadeiro Brasil, o que você responderia? Pois essa era a pergunta que os escritores do pré-modernismo queriam responder em suas obras!
Se te perguntassem qual é o verdadeiro Brasil, o que você responderia? Pois essa era a pergunta que os escritores do pré-modernismo queriam responder em suas obras!
A passagem do Império para a República no Brasil, foi complicada. Os primeiros anos foram conturbados. Muitas coisas aconteciam ao mesmo tempo. No Nordeste, a população sofria com a seca e buscava auxílio na religião ou no cangaço.
Surgia a figura de Antônio Conselheiro, líder messiânico, que fundou uma comunidade autossuficiente que não agradou o governo. O resultado foi a Guerra de Canudos, que matou aproximadamente 25 mil pessoas.
No Norte, havia a exploração da borracha, que levava riqueza para uma área isolada. Em São Paulo, começava a economia do café e, com isso, a chegada dos imigrantes. Os centros urbanos estavam sendo reformados para que se parecessem mais com a Europa.
A consequência era o deslocamento da população pobre, que morava no centro da cidade em cortiços, para áreas mais afastadas e de difícil acesso – surgiam as favelas. O país ficava cada vez mais complexo e o pré-modernismo surgia para representar essa situação.
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Os autores estavam em busca de mostrar o país de forma real. As grandes mudanças pelas quais o Brasil passava não davam espaço para nenhum tipo de idealização.
Cada região tinha sua complexidade e, por isso, cada autor escreveu de uma forma sobre um determinado assunto. Essa estética literária foi fragmentada, não teve apenas um estilo ou apenas um assunto. Cada escritor escrevia do seu jeitinho.
Em face desse contexto, podemos chamar o pré-modernismo de uma fase de transição. Os textos dessa época ainda têm muita influência de estéticas literárias anteriores – como o realismo, o simbolismo e o parnasianismo – e, ao mesmo tempo, antecipa diversas características que vão ser marcantes no próximo movimento literário: o modernismo.
As obras do pré-modernismo não se unem por características em comum, mas por um princípio cronológico. Na linha do tempo, essa escola literária é iniciada em 1902 com a publicação de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e vai até 1922, com a Semana da Arte Moderna em São Paulo, que solidifica o novo movimento.
Para mostrar o verdadeiro país, os escritores começaram a colocar como protagonistas classes sociais que nunca haviam tido atenção na literatura – funcionários públicos, professores, os imigrantes, as moças que esperavam por um casamento, a classe média.
Há o retorno do sertanejo. Contudo, ao contrário do romantismo, ele já não é mais idealizado. Ele é visto como uma pessoa explorada e que vive em situação precária no interior do país.
A intenção desse movimento é fazer uma crítica à realidade social e econômica. Para isso, ele se aproveita do fato de que a maior parte dos escritores tinham algum tipo de envolvimento com o meio jornalístico.
O pré-modernismo utiliza a linguagem usada nos jornais: uma linguagem direta e objetiva, que dentro do texto literário, pode surgir até mesmo de forma mais coloquial, para que o verdadeiro Brasil mostre como é o verdadeiro português falado no país.
Euclides da Cunha, que iniciou o movimento, é um dos autores mais famosos. Sua obra “Os Sertões” é uma mistura de gêneros: tem características de romance, tratado científico e antropológico.
Ele conta a experiência de Cunha ao visitar o nordeste e verificar como acontecera a Guerra de Canudos. Lá, ele se depara com todo o sofrimento e a miséria do sertanejo e a forma injusta pela qual a comunidade de Belo Monte fora massacrada pelas tropas do governo.
Um filme que bebe da fonte do livro de Euclides da Cunha é “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), que faz parte da estética do Cinema Novo e também queria mostrar o verdadeiro Brasil. Vale a pena conhecer o cinema de Glauber Rocha! Está disponível no YouTube.
Lima Barreto faz um retrato fiel dos subúrbios cariocas e da vida dos funcionários públicos. Um de seus temas mais recorrentes é o preconceito racial, que pode ser visto em obras como “Recordações do Escrivão Isaías Caminha e Clara dos Anjos”.
Seu romance mais famoso, “Triste fim de Policarpo Quaresma” mostra como o patriotismo é uma ilusão.
Monteiro Lobato, por sua vez, por ter nascido em Taubaté, traz para a literatura o Vale do Paraíba. Após o deslocamento da exploração do café para o oeste paulista, as cidades desse local ficaram vazias. Ficara apenas a lembrança da época que o café era explorado ali e que havia algum tipo de comércio e forma de subsistência.
Monteiro Lobato, além de ser o criador da famosa série de livros infantis “Sítio do Picapau Amarelo”, também criou a figura do Jeca Tatu, que enfatiza a figura do sertanejo. Todavia, ele traz uma visão preconceituosa de que ele é preguiçoso, cansado e um parasita.
Achou que no pré-modernismo não ia ter poesia? Augusto dos Anjos aparece para representar.
Com um caráter enigmático e sombrio, o poeta tem influência de diversos movimentos anteriores: do simbolismo, ele herda as figuras fortes e a preocupação com a construção formal dos poemas; do parnasianismo, ele herda o apreço pela forma dos sonetos e do naturalismo, ele herda o uso de termos científicos.
Augusto dos Anjos, por suas diversas influências, não pode ser rotulado como participante de nenhum movimento. Ele é uma fusão de todos esse movimento somado ao pré-modernismo e neste fato está presente a sua singularidade.
Sua angústia existencial nasce da consciência de que se você for contar com a solidariedade de um amigo, você apenas se decepcionará.
Versos Íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Ele chega bem próximo do rosto do leitor e diz: “O beijo é apenas a véspera do escarro, meu amigo. Aproveita e escarra antes nessa boca que te beija, uma vez que ela vai te decepcionar, de uma forma ou de outra”.
Bem pessimista, não é mesmo?
Espera que fica pior.
Para ele não havia a possibilidade de ter uma vida feliz. O futuro do ser humano é assistir a morte de seus sonhos e esperar uma vida de solidão total. Qualquer gesto de solidariedade é falso e apenas levará a uma futura decepção.
Seu único livro de poemas, “Eu” (1912), gerou entusiasmo e repulsa. Sua linguagem foi considerada chocante pelo público e pelos críticos. E é justamente isso que faz com que o trabalho de Augusto dos Anjos seja tão único e recordado até os dias de hoje.
Ele transmitia a angústia moral pela qual o ser humano passa por meio da ciência. Veja como ele usa os termos “carbono”, “amoníaco” e “epigênese” no poema a seguir:
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Também é possível perceber que ele usa a figura do “verme”. Para ele, o ser humano é como um verme que pulsa rumo ao nada, rumo à decomposição.
“Sangue podre” é apenas um exemplo de imagem forte que ele gostava de usar. Se fosse forte e chocante, era bom. Mas se fosse forte, chocante e ligado às funções corporais, era ótimo. Ganhava o selo Augusto dos Anjos de qualidade.
Muitos críticos afirmam que esse tipo de escolha é “mau gosto” no vocabulário, mas, pelo contrário, apenas mostra como o poeta era familiarizado com a estética do grotesco.
Em um filme de horror nacional atual, “Mate-me por favor” (2015), o clima de tensão é alto: há um assassino que está atrás de mulheres. As adolescentes que protagonizam o filme, em meio a esse contexto, leem poemas de Augusto dos Anjos, mostrando como a influência do autor nesse campo ainda é muito forte.
O verdadeiro Brasil acabou por mostrar que é muito diversificado e complexo. Ele é feito por muitos povos e regiões diferentes. Isso faz pensar como o pré-modernismo faz sentido até os dias de hoje e nos ajuda a pensar temas como tolerância e exclusão.
Até hoje, o Brasil é esse conjunto de temáticas e estilos divergentes que se une justamente por ser parte dessa terra brasileira. Cada diferença colabora para a união e singularidade do nosso país.
Psicologia de um vencido
“Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!”
(ANJOS, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994)
A poesia de Augusto dos Anjos revela aspectos de uma literatura de transição designada como pré-modernista. Com relação à poética e à abordagem temática presentes no soneto, identificam-se marcas dessa literatura de transição, como: