Alguns quadros são tão realistas que parecem que estamos vendo pessoas de verdade ou até mesmo fotos de uma pessoa, quando, na verdade, é tudo fruto do trabalho de um pintor que usou pintura a óleo.
Essa proximidade com a realidade era exatamente o que o realismo, enquanto estética literária, queria alcançar!
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Assim como a Revolução Francesa influenciou a criação do romantismo com suas ideias de liberdade, fraternidade e igualdade, o realismo foi influenciado pela Revolução Industrial.
Com o advento das fábricas e das máquinas, o comércio ficou mais intenso e todos acreditavam que aquilo seria um bom sinal: afinal, uma mudança nos meios de produção também poderia trazer mudanças sociais.
Os telégrafos já tinham sido inventados para aumentar a velocidade da comunicação, os cavalos já haviam sido trocados pelos trens e pelas máquinas a vapor. O clima era de progresso. Só que não foi isso que aconteceu.
Não era amor, era cilada: em vez de trazer as mudanças sociais que melhorassem a vida da população, a Revolução Industrial apenas ajudou a aumentar a desigualdade social. O povo que trabalhava nas fábricas tornou-se parte da classe do proletariado, que era empurrado para a pobreza, enquanto a burguesia vivia no luxo.
As lavouras começaram a entrar em declínio, nas zonas rurais, com a chegada das máquinas. Os camponeses se viram obrigados a migrarem para a cidade em busca de emprego.
Todavia, nenhum centro urbano estava preparado para receber tanta gente. Logo, começaram a surgir alguns problemas de infraestrutura. As consequências? Surgiu muita pobreza, prostituição e aumento da criminalidade, o que a sociedade via como degradante.
Para entender o realismo – e até mesmo a vida –, é importante entender um pouco o que é o capitalismo.
Ele é um sistema econômico no qual vivemos até hoje que prega os valores da propriedade privada e da obtenção de lucros a partir de determinadas operações. Muitos pensadores tentaram entender o que era esse sistema e como ele nos afetaria.
Adam Smith, por exemplo, acreditava que o governo não deveria colocar nenhum tipo de limite no comércio. Seu papel é cuidar da educação, da segurança, do povo. O comércio se autorregularia.
Esse pensamento que exclui o governo das tomadas de decisão do comércio se chama liberalismo e ficou conhecido como laissez-faire, que, em português, significa “deixar fazer”.
Thomas Malthus, por sua vez, dizia que a pobreza era uma característica natural da vida, mesmo sendo cruel. A existência de pessoas pobres era um fato e ninguém poderia fazer nada sobre isso.
Será? O governo, por exemplo, poderia. Mas muitas pessoas que não queriam que o governo ajudasse a camada mais pobre da população acharam dentro das ideias de Malthus um pensamento “científico” no qual se apoiar na hora de criticar.
Uma diferença surge com o filósofo Karl Marx. Em 1848, com Engels, ele escreve o “Manifesto Comunista”, que convida todos os proletariados a se unirem e tomarem os meios de produção, uma vez que tudo o que eles produzem acabam indo para as mãos da burguesia.
Segundo Marx, o capitalismo leva o proletariado à miséria, já que a classe que tem mais dinheiro – a burguesia – também tem poder sob o Estado e usa todo o seu poder político para oprimir a população pobre e aumentar suas próprias propriedades.
Após a revolução do povo trabalhador, a sociedade seria mais justa e igualitária. Todos dividiriam os bens comuns e todos, sem exceções, poderiam desfrutar de uma vida digna e justa. Esse era o sonho comunista.
Na literatura, diante desses pensamentos e das máquinas que soltavam vapor sem parar, os escritores já não podiam mais continuar escrevendo com subjetividade. Eles passaram a serem objetivos.
Os dramas individuais, focados no “eu”, deram lugar a romances que observam os comportamentos coletivos. Temas como opressão, corrupção, política e frivolidade das elites ajudaram os autores a construírem um retrato da sociedade.
A função do realismo era analisar a nova organização social e econômica, detectar suas causas e denunciar suas injustiças.
O primeiro livro realista que surge na Europa faz uma crítica ao romântico. Seu título é “Madame Bovary” e ele foi escrito por Gustave Flaubert.
A história é a seguinte: Emma foi uma garota que sempre amou ler livros românticos e esperava que sua vida fosse cheia de aventuras e emoções fortes como via nos livros. Um dia, o médico Bovary surge na vizinhança de Emma e se interessa pela moça. Ela aceita a proposta de casamento.
Apesar da vida burguesa cheia de pequenos luxos e conforto, Emma começa a se sentir entediada e extremamente frustrada com a sua vida que não era nem um pouco parecida com a das heroínas de seus livros.
Para encontrar algum tipo de emoção, Emma começa a cometer adultério com amantes os quais acredita estarem tão apaixonados como ela. Todavia, eles também são frustrações para Emma. Ninguém consegue lhe dar a intensidade e a emoção que ela espera.
Ela até mesmo tenta encontrar emoção comprando vestidos, decoração para casa e qualquer tipo de consumo desenfreado, mas ela também não consegue. Nem sua filha lhe chama atenção. O marido, muito menos. Ela o detesta.
A situação fica ruim quando, afundada em dívidas, Emma começa a ser chantageada. Desesperada, achando que seu marido descobrirá acerca de suas traições, Emma Bovary decide tomar uma atitude digna de seus livros: ela compra um veneno para se suicidar.
Contudo, a morte rápida e sem dor mostrada nos livros românticos dá lugar a uma morte lenta e dolorosa na estética realista.
A intenção de Flaubert era criticar os preceitos burgueses construídos no romantismo e mostrar como classe dominante era hipócrita. Tudo isso para educar a sociedade. Aqui, não há idealização romântica.
Os amantes de Emma são muito mais reais, até mesmo com falhas, e Flaubert usa uma postura mais racional diante do amor.
O livro gerou tanto escândalo por mostrar uma mulher traindo o marido, que Flaubert foi até mesmo parar em julgamento por causa de seu livro, acusado de imoralidade.
Uma boa dica é assistir à adaptação homônima do romance para o cinema, Madame Bovary (2014).
O realismo quer mostrar o que existe de ruim na sociedade. Para isso, ele utiliza a razão e a objetividade.
A intenção era mostrar como a mesma burguesia que cantava pelo amor à justiça e pela liberdade era a mesma burguesia que explorava a classe proletária.
Eça de Queirós (Ou Queiroz), assim como Flaubert, também foi acusado de escrever imoralidade, quando, na verdade, estava apenas fazendo um retrato cheio de críticas, mas que realmente acontecia.
Seu romance “O Primo Basílio” conta a história de uma mulher casada que comete adultério com o primo. “O Crime do Padre Amaro” critica o clero ao mostrar um padre que não era casto e se envolvia com mulheres.
A partir do realismo, os protagonistas já não são mais cheios de qualidades e beirando à perfeição, como acontecia no romantismo.
O realismo permitiu a criação de protagonistas com defeitos. Alguns cheios de arrogância e falhas. Como é o caso de Brás Cubas, personagem de Machado de Assis. O realismo trabalha as motivações psicológicas desses personagens.
Devido ao uso da razão e do objetivismo, as descrições começaram a ficar mais próximas da vida real. Os romances passam a ter mais cenas de atitudes cotidianas, afinal, um personagem também almoça e também dorme.
Por meio das descrições, o autor queria que o leitor visse toda aquela realidade e pensasse que tirou as próprias conclusões sozinho, mas, na verdade, com a escolha de palavras, o próprio escritor levava o leitor para a linha de pensamento que ele escolheu.
Às vezes, um leitor acreditava que não gostava de um personagem por vontade própria, sem perceber os diversos adjetivos negativos que o escritor sempre usou em relação à personagem.
Aqui, já não há mais espaço para o passado. O realismo quer falar sobre o presente e sobre o que está acontecendo. Nesses romances, é sempre possível encontrar diversas referências ao que acontecia, naquela época, na política e dentro do contexto social.
“Dom Casmurro”, por exemplo, é um ótimo exemplo: em uma das cenas, Bentinho vê Dom Pedro II passando em seu coche imperial, deixando bem nítido que o livro se passa no Segundo Império. Essas ocorrências sempre vinham com um olhar crítico.
O realismo também tinha uma posição materialista. Ou seja, buscava a verdade no concreto, no que era palpável, ao observar a sociedade. A verdade já não era mais buscada por meio da imaginação.
Os bons escritores realistas observavam a sociedade, a psicologia por trás dos indivíduos e construíam seus personagens de acordo com esses contextos.
Um grande exemplo, no realismo no Brasil, é o de Machado de Assis, que soube criar personagens que são exemplos perfeitos do descaso e da hipocrisia da elite dominante brasileira da segunda metade do século XIX.
Faça um exercício: observe Bentinho, de Dom Casmurro, e Brás Cubas, de Memórias póstumas de Brás Cubas.
A mudança brusca do romantismo para o realismo é representada pela transformação da imagem dos mascote da Selação, o Canarinho Pistola. Veja como de uma imagem idealizada ele foi para uma muito mais realista e preocupada:
Óbito do autor
(…) expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova:
– ”Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isto é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.” (….)
(Adaptado. Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas. Ilustrado por Cândido Portinari. Rio de Janeiro: Cem Bibliófilos do Brasil, 1943. p.1.)
Compare o texto de Machado de Assis com a ilustração de Portinari. É correto afirmar que a ilustração do pintor: