Soneto inglês
Soneto 2 - Shakespeare
Quando no assédio de quarenta invernos
Se cavarem as linhas de teu rosto,
Da juventude os teus galões supernos
Pobres andrajos se tiverem posto,
Se então te perguntarem pelo fausto
De teus dias de glória e de beleza,
Dizer que tudo jaz no olhar exausto,
Opróbrio fora, encômio sem grandeza.
Mais mérito terias nessa usança
Se pudesses dizer: “Meu filho há-de
Saldar-me a dívida, exculpar-me a idade”,
Provando que a beleza é tua herança.
Fora tornar em novo as coisas velhas
E ver o sangue quente enquanto engelhas.
Soneto monostrófico
Soneto do corifeu - Vinícius de Moraes
São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita...
Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.
Soneto estrambólico
Estrambote melancólico - Carlos Drummond de Andrade
Tenho saudade de mim mesmo,
saudade sob a aparência de remorso,
de tanto que não fui, a sós, a esmo,
e de minha alta ausência em meu redor.
Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
e tenho muitos outros sentimentos
violentos. Mas se esquivam no inventário,
e meu amor é triste como é vário,
e sendo vário é um só. Tenho carinho
por toda perda minha na corrente
que de mortos a vivos me carreia
e a mortos restitui o que era deles
mas em mim se guardava. A estrela-d’alva
penetra longamente seu espinho
(e cinco espinhos são) na minha mão.