Dados sobre saúde mental de estudantes EaD no Brasil não existem
Modalidade cresceu 21,4% em 2016, porém dados sobre a saúde mental dos alunos são dificilmente encontrados
Você conhece alguém que já fez ou faz algum curso EaD? Segundo a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), a Educação a Distância (EaD) é “a modalidade de educação em que as atividades de ensino-aprendizagem são desenvolvidas majoritariamente sem que alunos e professores estejam presentes no mesmo lugar à mesma hora”. Ou seja, a maioria das aulas são feitas online e no horário escolhido pelo aluno.
Apesar não ser muito divulgada, essa modalidade está em constante crescimento no Brasil. Dados elaborados pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), a partir do Censo da Educação Superior, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), mostram que em 2016 foram feitas mais de 1,4 milhão de matrículas em cursos a distância.
Pois é, em comparação ao ano anterior, esse tipo de ensino aumentou em 21,4% o número de ingressos, já os cursos presenciais sofreram queda de 3,8% naquele ano.
Além desses dados desenvolvidos por órgãos do governo, o que você já ouviu falar na mídia sobre essas pessoas que se aventuram pelo mundo da educação a distância? Já pensou em quais problemas eles enfrentam no dia a dia? Afinal, será que é possível encontrar esses dados de forma fácil? Nós percebemos que não! Veja o porquê.
Quem são as pessoas que estudam por cursos EaD?
Segundo Luciano Sathler, diretor da Abed, atualmente, essa modalidade é o principal fator de democratização do acesso ao Ensino Superior no Brasil. “Ela tem permitido o acesso de pessoas mais experientes, com mais idade, e muitas vezes de uma classe social mais empobrecida de conseguir o fazer curso superior”, explica.
Dados de 2016 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que apenas 15,3% da população brasileira adulta (com 25 anos ou mais) possui o diploma do Ensino Superior, um número incrivelmente baixo. Isso significa que, nos dias de hoje, a educação a distância se tornou um dos maiores facilitadores para que minorias e outros grupos sociais tenham acesso a uma educação de qualidade e consigam conquistar o tão sonhado canudo.
Saiba mais: Minorias nas faculdades: por que o acesso ao Ensino Superior ainda é restrito no Brasil?
Um levantamento feito pelo Quero Bolsa, o principal programa de inclusão para quem pretende ingressar no Ensino Superior com disponibilidade de bolsas de estudos, para o “Panorama Quero Bolsa do Ensino Superior Privado no Brasil”, mostrou os motivos que fazem com que brasileiros prefiram ingressar em cursos a distância do que em presenciais, são eles:
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Flexibilidade da carga horária (44%);
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Mensalidades mais acessíveis (27%);
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A localização do polo de apoio presencial (11%).
Além disso, na mesma pesquisa foi possível afirmar que mais de 79% consideram o conteúdo ensinado excelente ou bom. Ou seja, é possível perceber quais são os fatores que tornam o EaD uma das melhores opções para quem quer voltar a estudar.
Entretanto, apesar do constante crescimento, não é possível encontrar muito mais dados públicos do que isso. A situação é ainda pior quando pesquisamos sobre a saúde mental daqueles que decidem estudar por um curso a distância.
Janeiro Branco: #PorUmaCulturaDaSaúdeMental
Criado por psicólogos de Uberlândia (MG), o Janeiro Branco é um mês de conscientização sobre a importância da saúde mental. Fabiana Vitorino, psicóloga e uma das coordenadoras da campanha, conta que o movimento foi criado em 2014 após a divulgação de um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) que informava que, a cada 40 segundos, uma pessoa suicidava no mundo.
Como uma forma de encarar essa realidade, esses psicólogos decidiram dedicar um mês exclusivo do ano para divulgar a importância da saúde mental em todos os níveis da sociedade. “Do mesmo jeito que a gente vai ao médico para prevenir uma doença futura, a ideia do Janeiro Branco é ajudar a sociedade a criar uma cultura de promoção da saúde mental e emocional”, explica.
Veja também: Medicina: por que o suicídio nesse curso é tão comum?
Nos últimos anos, diversos meios de comunicação atentaram-se à importância da saúde mental dos universitários, visto o crescente número de casos de transtornos psicológicos desenvolvidos durante a graduação, até mesmo o assombroso aumento nos casos de suicídio de jovens. Em 2016, a “Pesquisa Censo e Opinião Discente” na Universidade Federal do ABC (UFABC) mostrou que 17,92% dos trancamentos durante o ano foram por “questões psicológicas”.
Porém, todos as reportagens e dados encontrados são sobre cursos exclusivamente presenciais. O que acontece com aqueles que fazem um curso EaD?
Qual é a importância da saúde mental na faculdade
Segundo um estudo feito pela pesquisadora e psicóloga Karen Graner com discentes de cursos da área da saúde, o sofrimento psíquico aflige 30% dos estudantes brasileiros. Já em escala mundial, esse número sobe para 49,1%, ou seja, a cada dois universitários, um não está com uma boa saúde mental.
Não importa a idade, começar a estudar pode se tornar um martírio para qualquer um. No caso dos mais jovens, a falta de informação e a pressão causada pela sociedade pode fazer com que a pessoa desenvolva transtornos de ansiedade ou até mesmo depressão. Já no caso daqueles que voltam a estudar quando mais velhos, muitos precisam lidar com outro tipo de pressão, a de estudar, trabalhar, ser o sustento da casa, cuidar da família e de questões do lar.
“O universitário é um estudante que está se preparando para entrar no mercado de trabalho ou para descobrir um novo mercado. É um momento de fazer escolhas e lidar com frustrações” adverte a Fabiana.
Por isso, é preciso ficar atento à sua saúde mental para lidar com todas essas situações e sentimentos que possam surgir, independentemente de estudar em um curso presencial ou a distância.
O que as faculdades podem fazer para melhorar essa situação?
O diretor da Abed, Luciano Sathler, que também já foi coordenador de EaD em algumas universidades brasileiras, reforça que é dever das instituições de ensino oferecerem atendimento psicopedagógico para seus alunos. “As instituições que oferecem educação a distância também têm de ofertar apoio psicopedagógico de uma forma ou de outra, seja no polo ou a distância. Eu mesmo tive várias experiências que tive um setor dedicado a isso para atender a distância, por exemplo, eles faziam atendimento via Skype, orientavam o polo ou até mesmo tentavam entrar em contato com familiares”, explica.
Encontramos duas instituições de ensino que oferecem esse tipo de atendimento ao aluno: o Instituto Metodista Izabela Hendrix e a Universidade Presbiteriana Mackenzie.
No primeiro caso, o Núcleo de Atendimento Psicopedagógico do Izabela Hendrix criou uma iniciativa para capacitar professores e funcionários a reconhecer sinais de uma má saúde mental. “Temos percebido um aumento do número de alunos com ansiedade, estresse e depressão e entendemos que precisaríamos ampliar o acesso de atendimento aos alunos. Logo, a melhor forma de identificarmos esse grupo seria por meio de uma triagem ou uma busca ativa dos alunos em sofrimento mental que não chegam até o Núcleo”, conta Débora Menezes, psicóloga da instituição.
Durante essa capacitação acontece uma sensibilização sobre a questão emocional nos espaços de formação docente, inclusive nos polos de EaD: “a ênfase é dada nas situações em que os alunos podem apresentar, que podem indicar crises de ansiedade generalizada, estresse, depressão e transtornos de aprendizagem”.
Já no Mackenzie, a instituição desenvolveu o Programa de Atenção e Orientação aos Discentes (Proato) em 2015 como um mediador para dar a melhor orientação possível a alunos e professores que estejam passando por algum tipo de desentendimento. No caso do EaD, Rinaldo Molina, coordenador do programa, explica que “nós damos orientação para os coordenadores de polo e para os tutores. Quando o polo é próximo da gente, nós chamamos o aluno e conversamos com ele. Quando o polo é muito longe, entramos em contato com o tutor e falamos para ele como atuar para amenizar a situação”.
A pesquisadora e psicóloga Karen Graner reforça que o serviço prestado para alunos de cursos presenciais e a distância é diferente e deve haver pesquisa para saber o que fazer em cada caso: “a modalidade EaD é crescente no País e beneficia muitas pessoas que se interessam pelo curso universitário e possuem rotinas diferentes. É preciso que pesquisas sejam realizadas também com essa população, principalmente por ainda pouco se saber sobre e por ser uma área nova e crescente no Brasil”.
A Revista Quero entrou em contato com a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), a primeira universidade pública paulista que só oferece cursos na modalidade EaD. Entretanto, a instituição preferiu não falar sobre o assunto devido à complexidade e por ser uma universidade nova, que ainda não tem experiência para falar sobre o isso.
Como perceber se minha saúde mental está abalada
Segundo Fabiana, a melhor dica para saber se a sua saúde mental está abalada é conhecer a si mesmo. Só assim você conseguirá enxergar comportamentos que não são padrões para você.
“Os sintomas podem ser múltiplos, não é igual a uma doença física. É preciso se conhecer para saber o que está acontecendo. Se você acorda de manhã desmotivado, e não é um dia ou outro, são todos os dias, durante muito tempo. Ou se você não consegue interagir com as pessoas como antes, se você fica mais recluso, se o seu nível de estresse está muito alto e com frequência, se você tem medo de se impor, se você tem medo das críticas”, exemplifica a coordenadora do Janeiro Branco, podem ser sinais de que algo não está bem com a sua saúde mental.
Se você for aluno de um curso EaD, é ainda mais importante estar atento aos possíveis sinais, visto que, além dos estudos, você provavelmente pode passar por outros tipos de pressão e estresse no dia a dia. E o mais importante: peça ajuda. É preciso pedir ajuda e falar o que você está sentindo para os outros.
“Por vezes, a questão da ‘distância’ pode mascarar a possibilidade de uma assistência real. Mas todo acolhimento e escuta possível ao aluno faz diferença neste processo. Em tempos de isolamento social os quais vivemos na contemporaneidade, uma escuta e um e-mail perguntando como você está pode salvar uma vida”, enfatiza Débora Menezes, psicóloga do Núcleo de Atendimento Psicopedagógico do Izabela Hendrix.
O que eu faço se a minha faculdade não oferecer apoio psicopedagógico? O diretor da Abed adverte que, nesse caso, o mas indicado é denunciar a instituição no site do MEC e trocar de faculdade. “Na educação a distância, o sinônimo de qualidade é o atendimento personalizado para o aluno. É preciso que ele converse com gente e seja atendido por gente, sendo acompanhado por pessoas, e por pessoas que demonstrem interesse por ele”, esclarece.
7 dicas para ter uma boa saúde mental durante a faculdade
Conversamos com as psicólogas consultadas na matéria, para saber o que fazer para manter uma boa saúde mental durante a graduação. É só clicar no link acima. 😉