Detentas em regime semiaberto fazem cursos a distância no Mackenzie, em SP
15 mulheres que cumprem pena em regime semiaberto em São Paulo começaram em agosto cursos tecnológicos EaD no Mackenzie; responsáveis pretendem ampliar projeto
A população prisional no Brasil totaliza mais de 726 mil pessoas. De acordo com o Sistema de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça, 10,58% desse total está envolvido com alguma atividade educacional, como ensino escolar e atividades complementares.
Somente uma pequena parte desse total está inserida no Ensino Superior. Apenas 572 pessoas no sistema prisional brasileiro cursam algum tipo de graduação. Esse número equivale a 0,08% da população prisional no país. Os dados são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias referentes a junho de 2017.
Reeducandas do CPP do Butantan fazem cursos tecnológicos no Mackenzie (Foto: Divulgação/Funap)
Inspirado em projeto de universidade portuguesa, o programa é feito em pareceria ente o Mackenzie, a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) e a Fundação Professor Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap). “Nosso projeto trabalha a responsabilidade social e a questão de inclusão social pela educação”, explica Ana Lúcia Fontes de Souza Vasconcelos, coordenadora do projeto de extensão do Mackenzie.
“Nós queremos que as pessoas tenham uma oportunidade de ter a gente como a primeira inclusão social, elas saberem que há pessoas interessadas na recuperação delas. Esse é nosso primeiro passo”, ressalta ela, uma das idealizadoras do projeto.
Formação para recomeçar
As alunas envolvidas no projeto cumprem sentenças no Centro de Progressão Penitenciária (CPP) “Dra. Marina Marigo Cardoso de Oliveira”, presídio localizado no Butantã, Zona Oeste da capital paulista, que conta com cerca de 1,2 mil detentas. “O curso oferecido representa um portal para uma nova vida, com diversas possibilidades”, conta a reeducanda S.M.*, de 52 anos.
Ela concluiu o Ensino Médio na unidade e enxerga a graduação como uma chance para novas oportunidades. “O recomeço sem a dúvida de que possofazer a diferença e ter uma vida abençoada, com chance deemprego”, diz.
Alunas durante primeira visita ao Mackenzie (Foto: Divulgação/FUNAP)
As 15 reeducandas foram selecionadas no fim de 2018 a partir de critérios da unidade e exames psicológicos realizados por profissionais do Mackenzie. Durante o primeiro semestre de 2019, elas passaram por um acolhimento da universidade, com visitas semanais à instituição, conversas com psicólogos e oficinas. Nestas atividades, as presas trabalharam o uso do ambiente virtual do Mackenzie, aprenderam sobre Direitos Humanos e até sobre o mercado de trabalho, com informações úteis, como a forma de se preparar para uma entrevista de emprego.
Depois dos seis meses de acolhimento, elas escolheram entre as três graduações tecnológicas para dar início ao curso. A universidade montou uma sala com dez computadores dentro do presídio que recebe as detentas durante os estudos diários. “Durante a semana, dentro do presídio há uma diretora de educação que organiza os momentos de estudo. A luta é fazer com que elas entendam e distribuam o tempinho que tem nos estudos“, explica Ana Lúcia. “Elas estão dando conta super bem”, elogia.
Os encontros presenciais acontecem às sextas-feiras no polo do Mackenzie, onde as alunas realizam as aulas pela manhã. Depois do período de almoço, elas podem ir à capela da instituição antes de realizarem as oficinas multidisciplinares durante a tarde. Às 17h, precisam estar de volta ao presídio.
“Esse curso para mim foi como ressurgir do pó. Nunca é tardepara estudar e sempre quis fazer cursos e faculdade, mas nunca tiverecursos. Essa porta aberta é um recomeço e eu posso mostrar paramim mesma que sou capaz de conquistar e realizar os meus sonhos”, conta R.S., de 39 anos.
Olhos no futuro
Em 2018, o Exame Nacional do Ensino Médio para pessoas privadas de liberdade (Enem PPL) contou com mais de 41 mil inscritos. São detentos que buscam fazer uma graduação para, além da remissão de pena, ressocializar e olhar para um futuro fora dos presídios.
No Mackenzie, as detentas que fazem parte do projeto também possuem planos de negócios para quando voltarem à liberdade. “A gente queria encontrar as mulheres que queriam mudar de vida e as mulheres empreendedoras”, conta Ana Lúcia. “A nossa ideia é que o estudo seja praticado. Então enquanto elas estão no cárcere, estão preparando o plano de negócio. Quando ela sai, esse plano está pronto.”
“Para mim, o curso oferecido pela Universidade PresbiterianaMackenzie é uma mudança. São pessoas acreditando na nossacapacidade e eu acreditando em mim mesma, principalmente”, diz G.C., 29 anos. “Essaoportunidade foi a melhor motivação para a minha vida”, afirma.
A universidade já possui planos para ampliar o projeto. Dentro do CPP do Butantã, já recebem a procura de outras detentas querendo ingressar em futuras classes. Inicialmente, a cada ano uma nova turma de 15 alunas será formada. Projetos para ampliar a oferta de cursos já estão sendo estudados pelo Mackenzie.
Mas, segundo Ana Lúcia, a ideia é que o programa sirva de exemplo para que iniciativas assim sejam multiplicadas pelas universidades no Brasil. “A gente quer que as universidades vejam que é possível e façam isso”, afirma a coordenadora.