
Enem 2025: quem pediu isenção precisa fazer a inscrição?
Isabella Baliana | 01/04/25Entenda se quem pediu isenção no Enem 2025 precisa também fazer a inscrição para participar
60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial. A cada 4 pessoas mortas pela polícia, 3 são negras. Nas universidades brasileiras apenas 2% dos alunos são negros. A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo. Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente – Capítulo 4, Versículo 3 – Racionais MC’s.
Lançado em dezembro de 1997, “Sobrevivendo no Inferno” foi um marco na história do rap brasileiro e tornou-se um dos álbuns mais importantes dos anos 90. Agora, em 2018, essa obra alcança um novo patamar ao ser escolhida como leitura obrigatória de um dos vestibulares mais importantes e concorridos do Brasil, a Universidade de Campinas (Unicamp).
Na última quarta-feira (23), a Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest), responsável pelo processo seletivo da instituição, divulgou a lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular de 2020 e, para a surpresa de muitos, a relação incluiu na categoria “poesia” o quarto álbum do Racionais MC’s, ao lado de outras indicações como Ana Cristina César e clássicos sonetos do escritor português, Luís de Camões.
Em declaração ao UOL, o DJ KL Jay, membro do grupo, disse que “‘Sobrevivendo no Inferno’ é um ótimo livro de história”, comemorando o reconhecimento. Já em entrevista ao jornal O Globo, José Alves Freitas Neto, coordenador executivo do vestibular da Unicamp, explicou o motivo da escolha: “Nos chamou a atenção a questão da valorização da cultura da periferia proposta pelo disco. É uma obra que traz o olhar ácido e crítico dos Racionais e continua relevante. E ela mescla várias referências, o que é uma característica da literatura, trazer referências de outros discursos”.
Para entender um pouco da importância desse álbum, é preciso conhecer qual era o contexto do Brasil nos anos 90.
Com o crescimento do neoliberalismo (uma teoria econômica que defende o estado mínimo e a livre concorrência no mercado, ou seja, o estado não deve interferir na economia do país e também não pode regularizar mercado) no mundo e, consequentemente, no Brasil, a concentração de renda ficou ainda maior. Quem antes tinha dinheiro, ganhou ainda mais e quem não tinha, ficou ainda mais pobre, acentuando a desigualdade social no País.
Como consequência dessa polarização, os números da violência urbana e da população carcerária disparou. Em texto feito para a revista Movimento, Wallace Salgado resgatou os dados sobre esse “boom”: “Segundo a pesquisa ‘Crime e violência na sociedade brasileira contemporânea. Jornal de Psicologia’ do pesquisador Sérgio Adorno: ‘No município do Rio de Janeiro, cresceram os homicídios dolosos, entre 1985 (33,35 registros/cem mil habitantes) e 1989 (59,16 registros/cem mil habitantes). No município de São Paulo, os homicídios evoluíram de 48,69 registros/cem mil habitantes, em 1991, para 55,77 registros/cem mil habitantes, em 1996, na Região Metropolitana”.
Wallace ainda reforça o quanto esse aumento na criminalidade refletiu em violência policial e discriminação em na população preta e periférica. “Todo Estado mínimo precisa de um Estado máximo de repressão, aqui essa repressão se dava dentro de uma estrutura racista que atingia o povo preto, pobre e periférico”, afirma no mesmo texto.
Com tudo isso, a partir de um selo independente, a Cosa Nostra, o Racionais MC’s lança “Sobrevivendo no Inferno” como uma forma de denunciar os maus tratos sofridos nas comunidades periféricas, o racismo e também para discutir a vida carcerária (em especial, Diário de um Detento relembra e aborda o massacre do Carandiru, em que 111 detentos foram assassinados e mais de 130 foram feridos durante uma tentativa de contenção de uma rebelião). O disco vendeu mais de um 1,5 milhões de cópias.
“Até então, foi o disco que mais e melhor representou a experiência social, racial e emocional do jovem negro periférico. A profundidade e reflexão sobre a subjetividade, angústias, anseios, medos e desejos de um jovem negro, que ressoava com milhões de outros jovens negros no Brasil todo, nunca havia sido abordada de maneira tão poética e verossimilhante”, reforça Victor em texto para a Ponte.
Em entrevista ao G1, em 2007, KL Jay disse que com esse álbum que o Racionais conquistou o resto do Brasil, aqueles que estão fora das periferias, e conseguiu ser ouvidos em todos os cantos: “a gente já era conhecido no Brasil inteiro nas periferias, nos guetos. Porque a música vai igual ao vento, ela vai entrando. Mas esse disco projetou mais, porque a MTV, o Brasil inteiro viu, outro público também viu. Aí o barato cresceu. Projetou a gente mesmo”, conta.
O sucesso do álbum ajudou o rap a tornar-se um gênero musical de denúncia e articulação política da população negra e periférica do País, assim, sendo um ponto de referência para aquela geração de rappers brasileiros e também para os outros que surgiram nesses 20 anos do projeto. “Assumimos essa postura de denúncia, o que foi necessário na época, pois não se falava sobre isso. Havia necessidade de uma voz. Soltaram essa bandeira na nossa mão e seguramos”, lembra Edi Rock em entrevista ao Nexo.
Em viagem ao Vaticano, na Itália, em 2015, a prefeitura de São Paulo enviou de presente ao Papa Francisco uma cópia do disco autografado, que foi levado pelo então prefeito da cidade, Fernando Haddad.
Quem escolheu o presente foi um grupo de jovens da periferia paulista que deu a ideia ao coordenador de Políticas para Juventude, Cláudio Aparecido da Silva.
Além do álbum do Racionais MC’s, outras duas obras foram incluídas na lista de leituras obrigatórias, são elas: “A Falência”, de Júlia Lopes de Almeida, e “A Cabra Vadia”, de Nelson Rodrigues.
Veja a lista completa das obras escolhidas para a Unicamp 2020:
Apesar de não ser novidade, o livro “Quarto do Despejo – Diário de uma Favelada”, de Carolina Maria de Jesus, também é outro livro de destaque da lista e que reflete sobre a realidade da periferia brasileira, em que a autora relata a vivência na comunidade do Canindé, na zona norte de São Paulo (SP). Atualmente, Carolina é considerada uma das mais importantes escritoras negras do Brasil.
Agora que você sabe tudo sobre Racionais MC’s e a nova obra obrigatória da Unicamp, só não vale ficar moscando e não estudar para o vestibular ou não conseguir uma bolsa de estudos, ok?