3 razões para desistir da Medicina
Conheça os motivos de uma estudante de Medicina ter abandonado o curso depois de enfrentar um dos vestibulares mais concorridos do país.
Sabe aquela frase: muitas pessoas adorariam estar no seu lugar? Então, quem foi aprovado no vestibular de Medicina deve ouvir muito isso na vida.
Talvez, justamente por isso seja tão difícil desistir do curso, não é? Quem toma essa decisão passa por um período difícil, afinal, a escolha de carreira foi equivocada e é preciso lidar ainda com o medo de perder alguns anos de formação e suportar a reação dos pais, familiares e amigos.
A Revista Quero conversou com a Luciana Di Giovanni, estudante de Medicina da Unifesp (Escola Paulista de Medicina) que passou por essa experiência. O caso dela foi até bastante inusitado, porque depois de desistir do curso, ela conseguiu ser aprovada novamente no vestibular do mesmo curso e voltar para a mesma faculdade para se tornar médica.
Você consegue imaginar? Depois de conseguir atingir um objetivo como esse ter vontade de abandonar o curso porque ele não era aquilo que você pensava? A expectativa, muitas vezes, não corresponde à realidade, e fica cada vez mais complicado suportar a situação.
Com a ideia de que o curso traz um retorno financeiro rápido, o status da profissão e o sentimento de conseguir provar para todos, inclusive para si mesmo, de que é capaz de enfrentar esse desafio e ser aprovado em um dos vestibulares mais concorridos, muita gente se perde no meio do caminho gerando esse tipo de frustração.
A Luciana teve três razões para desistir da Medicina:
- Ela achou que o processo de escolha profissional foi imaturo;
- O trote não foi fácil e mostrou um ambiente não muito receptivo;
- Havia uma carga de matérias pesadíssima com uma tremenda variedade de atividades extracurriculares sobre as quais ela se cobrava intensamente para controlar.
Um processo de escolha imaturo
Para começo de conversa, a estudante queria ser bióloga marinha quando criança e, chegando na fase de escolha, achava que seguiria para a Biologia, sua matéria favorita do colégio. Na época, ela convivia muito com biólogos recém-formados que estavam bastante desiludidos com as perspectivas de carreira, e isso a desestimulou. Começou, então, a considerar carreiras tidas como mais estáveis, foi quando, invariavelmente, incluiu a Medicina nas possibilidades.
Apesar de ter estudado em bons colégios, ela não tinha muita noção da realidade do vestibular. O bom desempenho acadêmico sempre foi algo muito valorizado na casa dela, mas, ela não estudou em colégios que priorizavam, na época, o vestibular como fim de todo o Ensino Médio. Primeiro, prestou vestibular só para Medicina na USP e não passou para a segunda fase. No ano seguinte, depois de um ano de cursinho, prestou Biologia na Unicamp e na Unesp, Direito na USP e Medicina na Unifesp. Só decidiu mesmo por Medicina na hora da matrícula, já que a USP e Unifesp saíram na mesma semana.
Os pais dela são médicos, daqueles com umas rotinas de trabalho bastante puxadas mesmo. Na verdade, ela sempre disse que ia fugir da Medicina! Ela nunca foi pressionada pelos pais para seguir nenhuma área. “Talvez, o momento de maior pressão tenha sido quando eu telefonei para o meu pai para contar que tinha passado em Medicina e ele começou a chorar. Aí, eu, que ainda não tinha certeza, senti que tinha que pelo menos tentar”, lembrou a estudante.
A falta de receptividade no ambiente da faculdade
Além de achar que não tinha muita noção das coisas, a Luciana também não teve uma boa experiência no trote da faculdade. O ambiente, já de cara, pareceu um pouco hostil. Assim, ela tinha mais um fator que contribuía para que não continuasse o curso.
A carga pesada que o curso carrega
A estudante sentia uma grande cobrança de ter que treinar e participar das atividades esportivas da faculdade. A carga de matérias para estudar não era fácil e uma grande diversidade de atividades extracurriculares sobre as quais ela se cobrava muito também a estressava. “Eu me descobri entrando em uma faculdade e um compromisso de vida com o qual eu não me identificava, sentindo-me sobrecarregada, cobrada por mim e por outros e extremamente ansiosa. Tive que procurar ajuda psicológica, porque a ansiedade havia simplesmente dominado todos os meus pensamentos. Quando desisti da faculdade, foi um tremendo e imediato alívio”, contou a jovem.
O que veio com a decisão
Se por um lado ela iria voltar ao grande limbo do período pós-colégio/antes da faculdade, por outro, ela estava se permitindo ser a prioridade de sua vida saindo de uma situação, na época, insustentável. “Meus pais foram fantásticos. Todos poderiam esperar que eles ficassem muito desapontados, o que pode até ter acontecido, mas eles me permitiram passar por isso com o mínimo de culpa possível e sempre se mostraram dispostos a me apoiar na próxima fase. Acho que era evidente que no “ou vai ou racha” da faculdade de Medicina, eu estava rachando. Larguei a faculdade e entrei em um curso de Arquitetura em uma universidade particular, com um processo de trote e de pressão completamente diferentes. Respirei fundo, cuidei da minha ansiedade e, no ano seguinte, voltei para a mesma faculdade de Medicina!”, disse Luciana.
Isso mesmo! Ela voltou a fazer Medicina. O processo dessa vez foi um pouco diferente. Ela escolheu a Medicina sabendo no que estava se metendo. O fato de o trote ter sido proibido na faculdade também ajudou. Outra coisa boa foi ter se encontrado participando das atividades do Centro Acadêmico. “Eu não pensei duas vezes em procurar ajuda psicológica outra vez, quando a coisa começou a apertar. Hoje, consigo claramente dizer que eu amo a Medicina, mas, trata-se de um curso com um processo massacrante, doloroso e desestimulante em muitos momentos”, destacou.
Os maiores mitos que envolvem a Medicina
Para a futura médica, talvez, o maior mito que envolva a profissão é o status que as pessoas atribuem. Para começo de conversa, a faculdade trabalha com uma hierarquia imensamente enrijecida. “Não espere nenhuma coroa de louros durante a graduação, mas sim encarar diversas situações em que o ego só atrapalha. Pessoalmente, acredito que quanto menor a preocupação com o status social de Medicina, melhor o profissional em formação ou atuante.”
Outra coisa que ela acha importante deixar claro é a demora para a faculdade tornar-se prática. “Os quatro primeiros anos exigem muita dedicação ao aprendizado teórico, o que é um tanto frustrante, principalmente levando em consideração que a didática não é a maior prioridade de muitos docentes. O modelo PBL (Problem Based Learning), adotado em algumas faculdades de Medicina, é mais prático antes, mas não tenho experiência com ele para comentar”, revelou.
Aquela imagem do médico profissional liberal com sua maleta debaixo do braço indo salvar o mundo é extremamente ultrapassada, na visão dela. “Como todo profissional de saúde do século XXI, o médico trabalha em grupo, frequentemente multiprofissional, toma decisões em conjunto com outros profissionais e o paciente e está sujeito a uma crescente judicialização da Medicina. Para ela, a ideia de que a remuneração é muito boa também não é necessariamente verdade, em termos de valor pago por hora de trabalho.
O conselho para aqueles que pensam em fazer Medicina
“Meu grande conselho é que saibam o que espera por vocês. Desmistifiquem o curso o máximo possível, solidifiquem suas expectativas, sejam realistas sobre o que vocês estão dispostos a passar por e a tornar-se por esse projeto. Permitam-se reavaliar os motivos pelos quais vocês querem fazer Medicina e lembrem-se de que é possível ser feliz de várias formas. O sucesso profissional existe em vários caminhos, e a Medicina é uma profissão, só isso. As pessoas têm que ser mais que uma profissão. Se sua conclusão for que para você vale a pena, saiba que o caminho é brutal, as recompensas parecem demorar muito, mas ela é extremamente apaixonante e, finalmente, chega uma hora que você não conseguiria imaginar-se fazendo outra coisa!”
Gostou de conhecer a experiência da Luciana? Acabou se identificando com alguma situação? Compartilhe com a gente nos comentários!