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A importância da representatividade negra nas escolas e o longo caminho a ser percorrido

Alunos, professores e especialistas falam sobre a importância da representatividade na construção de identificação em crianças negras e na conscientização dos alunos de pele branca.

Desde 2003, o Dia da Consciência Negra passou a ser incluído no calendário escolar de algumas cidades. A data é uma homenagem à resistência dos Africanos da Diáspora e tem como objetivo refletir sobre as desigualdades causadas pelo racismo estrutural. 

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Menina negra segurando um caderno e fazendo um sinal de vitória com a mão.
Foto: Freepik/Creativeart

Apesar deste dia, o racismo ainda se faz presente nas escolas e é sustentado, muitas vezes, pela falta de representatividade negra no corpo de funcionários e nos materiais didáticos, ou mesmo pela maneira como estão inseridos neste ambiente. 

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A estudante Aline Teixeira, de 17 anos, compartilha uma, das diversas lembranças de racismo que vivenciou em sala de aula. 

“’Ah, te chamou de macaco, mas você é macaco? Não! Então você não tem que se preocupar’ – isso é o tipo de fala que eu escutei desde muito nova”, relata. 

Aline estuda em uma escola estadual no bairro de São Marcos, região periférica de Campinas. Hoje, ela está cursando o segundo ano do Ensino Médio e conta que, durante todos esses anos, raros foram os professores negros que lecionaram nas salas de aula.

Para ela, ter um exemplo negro no ambiente escolar que vai além de aprender sobre as suas raízes e cultura, é algo que está relacionado a aspectos pessoais, de autoconfiança e de segurança. “Se eu tivesse na escola, que é o meu lugar de desenvolvimento, uma representatividade de alguém que eu pudesse me inspirar, eu saberia como reagir à situações de racismo como a que eu vivi”, diz a jovem.

A sua busca por identificação se deu então, fora dos muros da escola, através da sua família, da internet e de grupos da comunidade, como o Movimento das Mina, coletivo feminista do seu bairro que aborda a inclusão da mulher negra na sociedade.

A psicóloga mestra em educação e pós graduada em educação social Rosália Maria, explica que a questão da representatividade é essencial para o desenvolvimento psicossocial da criança, e as instituições de ensino tem papel fundamental neste processo.

“Não podemos esquecer que nós

[negros] somos mais de 50% da população brasileira, e quando você entra na escola, você não tem essa visão”, diz a especialista. “Na maioria das vezes, nós vamos encontrar negros e negras em funções de subserviência.”

A importância da representatividade negra na escola e nos materiais didáticos

De acordo com um levantamento do Quero Bolsa, baseado nos dados do Censo Escolar de 2019, 3 em cada 10 professores da Educação Básica são negros – pretos ou pardos.

Além da ocupação de diferentes cargos nas instituições de ensino, Maria destaca a importância de incluir a cultura afro-brasileira e personagens relevantes no processo de construção da nação brasileira nos materiais didáticos, de maneira multidisciplinar. 

Apesar da lei 10.639/03, que dispõe sobre a obrigatoriedade da inclusão da história africana e afro-brasileira na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ter sido sancionada há 17 anos, a psicóloga acredita que ela ainda “fica refém do professor para ser posta em prática.”

Juliana Bueno trabalha questões como representatividade negra e racismo em suas aulas através do projeto Sankofa, realizado na Camino School.
Juliana Bueno, de 34 anos, é professora e coordenadora do projeto “Sankofa – O Velho mundo de África e o Brasil Pindorama” e mãe de dois filhos.


Juliana Bueno, professora na Camino School, relata que as escolas ficam “no raso da lei” quando o assunto é racismo e a quebra de estereótipos e paradigmas existentes não só no ambiente escolar, mas na própria história do país. 

“Parece que é só ter ali na biblioteca livros que tragam essa representatividade e algumas bonecas e bonecos negros e pronto, a escola está fazendo a sua parte’, conta a pedagoga. 

Mesmo quando a cultura afro-brasileira é incluída nos materiais didáticos, as referências e representações acontecem de maneira estereotipada. Gustavo Silva de Paula, tem 19 anos e mora em Sumaré, interior de São Paulo. Em conversa via vídeo, ele cita as principais referências negras que ouviu falar na sala de aula.

“No folclore, eu tive algumas imagens negras que eu ouvi sobre, como o Saci-pererê e o Negrinho do Pastoreio,” conta o estudante que está cursando o Ensino Médio e o Curso Técnico juntos. “Eu acho muito fantasioso, não é exatamente do meu mundo que eu estão falando. Eu não acho que eu fui muito bem representado por essas figuras, especificamente pelo Saci. Ele tem poderes, não é alguém em que eu possa me espelhar”, adiciona. 

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A estudante Aline compartilha do mesmo sentimento e revela que a escravização é um tema importante que deve ser tratado, porém, há muito mais para ser dito. “Eles nunca mostravam o lado positivo da cultura afro-brasileira. Eu nunca ouvi falar da bonequinha Abayomi ou da Tereza de Benguela, eu só fui conhecer depois, procurando sozinha”, diz a jovem.

Tereza de Benguela, rainha do Quilombo de Quariterê, liderou mais de 3 mil pessoas durante o tempo em que ficou à frente da comunidade.
Tereza de Benguela, ou “Rainha Tereza” como ficou conhecida, viveu no século XVIII no Vale do Guaporé, no Mato Grosso. Segundo registros históricos, ela liderou o Quilombo de Quariterê e resistiu à escravização por mais de 20 anos.

A inequidade racial entre brancos e negros na Educação Básica

Atualmente, existem cerca de 51,1 milhões de crianças e jovens matriculados nas escolas, desde creches até o Ensino Médio. Desses estudantes, 20 milhões se autodeclaram pardos ou pretos.

Mesmo com a ampliação do acesso à educação nos últimos anos, os negros – que o IBGE conceitua como a soma de pretos e pardos -têm uma frequência escolar mais baixa, como mostra o infográfico abaixo:

Infográfico com dados da Pnad Contínua, realizada em 2019, demonstra à desigualdade racial referente à frequência escolar.
Fonte: Quero Bolsa/Pnad Contínua 2019

Com relação à quantidade de alunos que concluíram seus estudos nas diferentes etapas de ensino, o abismo é ainda maior. No Ensino Fundamental, 7 em cada 10 alunos pretos finalizaram seus estudos, enquanto entre os alunos brancos, o percentual chega à 87%. 

Já no Ensino Médio, o cenário é outro. Apenas 58,3% dos jovens pretos com 19 anos concluíram a etapa – 17 pontos percentuais abaixo dos estudantes de pele branca. Os dados fazem parte do Anuário Brasileiro da Educação Básica, divulgado pelo portal Todos Pela Educação.

Segundo a psicóloga Maria, a representatividade negra auxilia na “construção de identificação positiva existencial”, entretanto, fatores como baixos salários, moradia precária, alto índice de violência e falta de afetividade, também são fatores responsáveis por esses dados. 

Ela adiciona que no papel, já existem políticas públicas e ações afirmativas como o Estatuto da Igualdade Racial que garantem que a população negra possua o mesmo acesso à saúde, ao trabalho, a moradia e a educação, mas é preciso que a lei seja colocada em prática a fim de alcançar a equidade. 

Como trabalhar a cultura afro-brasileira na escola


Somado à contratação de pessoas negras em cargos de gestão, coordenação e no corpo docente, a pedagoga Juliana Bueno reforça que as escolas precisam capacitar esses profissionais, através do letramento racial.

Bueno acredita que iniciativas como essa auxiliam a ampliar o campo de visão dos educadores, instruindo-os sobre onde pesquisar, como pesquisar e como trazer esse conhecimento para dentro da sala de aula. Entretanto, não é algo fácil.

“Falar de educação de racista, de racismo, é algo delicado, porque isso toca nos afetos das pessoas e traz a visão da questão de privilégios. E não é fácil abrir mão de privilégios e pensar nesse lugar”, explica.

Segundo Rosália Maria, o racismo institucional deve ser pauta nas reuniões e encontros da equipe educacional, e precisa ser incluído também no projeto político-pedagógico (PPP). A psicóloga reforça que é papel da escola desconstruir estereótipos, conscientizar as crianças sobre as consequências do racismo, e trabalhar a cultura afro-brasileira de maneira plural, em todas áreas do conhecimento, algo que hoje não acontece. 

“Na aula de matemática, por exemplo, podemos trazer uma série de jogos africanos que podem ajudar na compreensão da matéria. Na educação física, a dança”, completa Rosália Maria. 

Jogos africanos de tabuleiro, como o Seega, podem ser utilizados na disciplina de matemática para trabalhar o raciocínio lógico, por exemplo.
Seega é um jogo tradicional de tabuleiro jogado em partes da região Norte e da África Ocidental. O objetivo principal é capturar as peças do adversário.

Algumas instituições de ensino estão realizando movimentos para incluir a cultura
afro-brasileira em seu currículo, como é o caso da Camino School. Através do projeto Sankofa Velho Mundo de África e o Brasil Pindorama”, coordenado por Juliana Bueno, a professora traz questionamentos sobre o povo negro, os povos originários brasileiros e como eles contribuíram para a formação da nossa sociedade. 

Temas como representatividade, apropriação cultural, racismo e preconceito, são abordados durante as aulas e muitas vezes, partem dos próprios estudantes. O projeto não se limita apenas aos alunos, professores e gestores também participam dos encontros e, durante a pandemia, os familiares acabaram se envolvendo. 

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Bueno conta que já tem notado os impactos positivos do Sankofa. Em uma das suas aulas, utilizou o filme Pantera Negra para ensinar sobre o continente Africano e os seus diferentes povos, e o resultado foi gratificante. 

“Um menino negro, de família adotada, fez uma fala incrível que deixou todos emocionados. Ele abriu o microfone e gritou: ‘Eu sou negro, eu sou negro!’ Deu para ver no olhinho dele, no brilho do olhar, a alegria de se ver representado naquelas pessoas.”

Para a professora, abordar a representatividade e o protagonismo negro é essencial não só para o desenvolvimento pessoal dos estudantes pardos ou pretos, mas, principalmente para a conscientização dos alunos brancos, por meio da empatia. 

“As crianças, principalmente as brancas, elas têm que saber que tem negros na escola, na literatura, na medicina, na ciência, na matemática”, explica. “Assim, elas irão entender que elas não são as únicas a ocupar esses espaços, e as negras vão entender que estudando elas poderão chegar nesses lugares que vão muito além do futebol e do samba.”

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