Sua terra tem palmeiras onde canta o Sabiá? Se for o Brasil, segundo Gonçalves Dias, tem sim!
Esses versos tão famosos até hoje são do poema “Canção de exílio” do autor, onde ele demonstra toda sua saudade pelas terras brasileiras enquanto morava na Europa.
Esse sentimento tão nacionalista, típico da primeira fase do Romantismo, foi muito desenvolvido na obra poética do escritor, principalmente pelo fato de que o Brasil acabara de proclamar sua independência.
O país precisava se desvencilhar da figura de Portugal e construir a sua própria identidade. Logo, foi necessário encontrar símbolos da identidade nacional.
Nesse processo, surge a literatura indianista ou nativista, da qual Gonçalves Dias foi adepto, que exalta a figura do indígena e enaltece a natureza exuberante do Brasil.
O anseio do povo era tão grande por uma identificação brasileira, que os primeiros poemas publicados do autor, em “Primeiros cantos”, foram decorados e eram cantados por diversas localidades, como se fossem músicas populares.
Uma das características dessa poética era a caracterização da natureza. Ela é o cenário dos acontecimentos. Como é típico do Romantismo, as imagens da natureza mostram como os personagens se sentem por dentro.
Apesar do Romantismo sugerir uma poesia com liberdade formal, a poesia indianista tinha rigor métrico e rimas.
Os temas mais usados na poesia de Dias são a natureza, a religião e a pátria.
É notável o fato de que algumas poesias usavam uma técnica incrível para aproximar os leitores dos costumes indígenas.
O autor trabalhava nos versos para que seu ritmo fosse parecido com o ritmo dos tambores usados pelos indígenas em suas cerimônias. Isso acontece no poema épico I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias.
I-Juca Pirama
Em fundos vasos d’alvacenta argila
Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.
O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
Mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve
Do que o festim!
Contudo os olhos d’ignóbil pranto
Secos estão;
Mudos os lábios não descerram queixas
Do coração.
Esse poema conta a história do último índio tupi que foi feito prisioneiro pela tribo dos timbiras. Seu destino já é conhecido: ele sabe que será morto e sua carne será devorada pelos timbiras em um ritual antropofágico.
Há a lenda de que tribos indígenas comiam a carne de seus inimigos acreditando que, ao comer, tomariam para si as qualidades do guerreiro morto, como a força, por exemplo.
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Contudo, vendo-se próximo da morte e pensando no pai cego que ficaria sozinho na selva, o guerreiro tupi pede por clemência.
Os timbiras veem esse ato como uma fraqueza e desistem de matá-lo. Eles não querem comer a carne de um guerreiro covarde e adquirir sua fraqueza.
Ao encontrar-se novamente com o pai, ele se envergonha do fato de que o filho pediu por clemência e demonstrou fraqueza. O resultado: ele o renega e o amaldiçoa.
Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de via Aimorés.
O guerreiro tupi retorna para a tribo dos timbiras pronto para se entregar para a morte. Nesse momento, entendemos o que significa o título do poema. I-Juca Pirama é uma frase em tupi que, em português, significa “o que é digno de morrer”.
Os timbiras ao vê-lo, percebem que apenas um homem muito corajoso voltaria para aquela situação. O chefe da tribo percebe que ele é corajoso demais para morrer e o liberta novamente.
Nesse poema indianista, vemos que o povo indígena era visto como um povo cheio de virtudes, como força, valentia e honra.
Na poesia lírica, Gonçalves Dias também é essencialmente romântico. Ele fala sobre a beleza da mulher amada, a natureza, o sofrimento, a solidão e a morte. Seus versos transbordam sentimentos.
Se se morre de amor
Se se morre de amor! – Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve e no que vê prazer alcança!
Ele também continua idealizando a natureza em seus versos líricos. Aqui, a natureza se torna um lugar acolhedor para o amante que sofre de amor.
Leito de folhas verdes
Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Aqui, no começo, o leito de folhas verdes é um símbolo de esperança de que a amada chegará. Quando ele sofre uma desilusão, o leito se torna um símbolo tristeza. A natureza se transfigura para corresponder às emoções do eu lírico.
A influência de Gonçalves Dias é enorme até os dias de hoje. Com ele, a imagem do indígena como símbolo nacional foi consolidada. Sua poesia lírica começou a construir a visão romântica que temos em nossa cultura até os dias de hoje.
Além disso, “Canção de exílio” continua sendo o poema mais parodiado e reconhecido. É olhar nacionalista que continua a reverberar não importa quantos anos passem.
Uma boa dica para continuar nesse mundo é assistir ao filme nacional Amélia, de 2000, disponível no YouTube, que conta a história de uma artista francesa que vem ao Brasil naquele período.
O choque de culturas gera muitas situações engraçadas e há a presença da poesia de Gonçalves Dias no filme.
Gonçalves Dias se destaca no panorama da primeira fase romântica pelas suas qualidades superiores de artista. Nele: