No meio do caminho tinha uma pedra? Tinha uma pedra no meio do caminho? Como Drummond afirma em seus versos inesquecíveis, às vezes, pode até ter uma pedra no caminho, mas vamos tirá-las para você entender um pouco mais sobre esse poeta tão importante para a literatura brasileira!
Ele foi um poeta mineiro da segunda geração do Modernismo Brasileiro. Além da poesia, ele também se dedicou aos contos e às crônicas.
Drummond é visto por muitos como o maior poeta brasileiro que já existiu. Seus poemas já estão na memória coletiva do povo brasileiro. Se alguém perguntar “E agora, José?”, muitos já entendem a referência à obra de Drummond.
Drummond foi o grande precursor da Poesia de 30. Seu estilo era tipicamente modernista: escrevia versos livres, sem preocupações com métrica e sem pedantismo e erudições. Sua poesia era sofisticada, mas, ao mesmo tempo, também era livre e popular.
O poeta conseguiu abranger os dois lados do conflito humano: o individual e o coletivo. Ao mesmo tempo em que ele soube falar com maestria sobre os sentimentos internos do ser humano, ele também escrevia sobre os conflitos que aconteciam ao redor do mundo. Drummond viveu em um período conturbado, vivenciando a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
Veja como ele soube dosar esses dois lados no poema “Sentimento do mundo”:
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.
Em 1928, Drummond publica em uma revista o famoso poema “No meio do caminho”.
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma
pedra no meio do caminho
Tinha uma
pedra
No meio
do caminho tinha uma pedra.
Nunca me
esquecerei desse acontecimento
Na vida
de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me
esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma
pedra
Tinha uma
pedra no meio do caminho
No meio
do caminho tinha uma pedra.
Em 1930, seu primeiro livro de poesia é lançado. O título é “Alguma Poesia”. Já na estreia, Drummond eterniza sua obra poética com poemas inesquecíveis.
No poema “Quadrilha”, ele mostra sua visão interessante sobre o amor não correspondido:
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Em “Poema de sete faces”, Drummond vai eternizar sua figura como gauche, como alguém que está excluído da narrativa, um outsider. Ele também eterniza a figura do anjo torto que aparece para ditar seu caminho. Esse poema foi referenciado por muitos poetas no futuro.
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Em 1940, Drummond lança uma de suas obras mais notáveis: “Sentimento do mundo”. É apenas seu terceiro livro, mas o poeta já consegue demonstrar uma maior maturidade em sua obra poética.
Aqui, Drummond mostra as fragilidades humanas. Tanto as dos outros, como as de si mesmo.
Em “Confidência do Itabirano”, ele se lembra, de forma saudosista, da cidade em que nasceu: Itabira – MG. No poema, Drummond mostra, com dor, a forma como a cidade ia sendo esquecida em um Brasil dominado pelo progresso e pelas tecnologias que chegavam.
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
Após atingir uma fase mais experiente como poeta, Drummond lança “A rosa do povo”, entre 1943 a 1945. Dentro de um contexto histórico que envolvia a Segunda Guerra Mundial e a ditadura de Getúlio Vargas, a obra possui forte apelo social.
Drummond mostra todas as dores e sofrimentos de um povo que vivia uma guerra. Todavia, acima de toda a dor, havia a vontade de ser expressar, simbolizada pela rosa do título.
Em 1951, Drummond lança um livro mais metafísico, escrito de forma sublime: “Claro enigma”. O paradoxo é proposital e já indica o mistério que abrangerá todos os poemas da obra – como um enigma, algo tão nublado e misterioso, pode ser nítido e claro?
Veja o poema “Remissão”:
Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.
Mas, pesares de quê? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,
e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,
enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?
Ler a obra de Drummond é essencial, uma vez que sua colaboração com a lírica brasileira é aclamada por críticos e por leitores. Seus poemas ainda persistem na memória do povo brasileiro, desde a figura da pedra do caminho, como a do anjo torto. Assim como também persiste a memória de Drummond no espaço público brasileiro, uma vez que, em Cobacabana, há uma estátua do poeta.
Leia o seguinte poema de Carlos Drummond de Andrade:
Confidência do Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e
[comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e
[sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
(ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003)
Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movimento modernista brasileiro. Com seus poemas, penetrou fundo na alma do Brasil e trabalhou poeticamente as inquietudes e os dilemas humanos. Sua poesia é feita de uma relação tensa entre o universal e o particular, como se percebe claramente na construção do poema Confidência do Itabirano.
Tendo em vista os procedimentos de construção do texto literário e as concepções artísticas modernistas, conclui-se que o poema acima