Um mictório pode ser uma obra de arte? Pois para o dadaísmo pode ser sim! Em 1917, Marcel Duchamp apresentou “A fonte”, sua obra dadaísta que consistia em um mictório. Não faz sentido? Ainda bem! Essa era a intenção dos dadaístas!
Um mictório pode ser uma obra de arte? Pois para o dadaísmo pode ser sim! Em 1917, Marcel Duchamp apresentou “A fonte”, sua obra dadaísta que consistia em um mictório. Não faz sentido? Ainda bem! Essa era a intenção dos dadaístas!
Em 1916, em plena guerra, surge a vanguarda europeia mais radical e menos compressível de todas: o dadaísmo, ou simplesmente Dadá, para os íntimos.
Seu lema consistia na crença de que a destruição também é uma forma de criação. Ou seja, a destruição do passado, do tradicionalismo, da razão e da lógica levaria à criação da arte.
Romeno Tristam Tzara surge como líder do movimento e deixa nítido que não apoiava nenhum tipo de manifesto ou princípios.
O Dadá surge para acabar com a lógica, com a organização e com a razão. A arte tem que ser espontânea. A falta de sentido é transmitida até no nome: Tzara deixa claro que Dadá não significa nada:
Dadá não significa nada: Sabe-se pelos jornais que os negros Krou denominam a cauda da vaca santa: Dadá. O cubo é a mãe em certa região da Itália: Dadá. Um cavalo de madeira, a ama-de-leite, dupla afirmação em russo e em romeno: Dadá.
Para ele, o problema de todo os movimentos artísticos estava justamente em tentar fazer algo impossível: explicar o ser humano. Uma de suas frases mais famosas é a seguinte: “A obra de arte não deve ser a beleza em si mesma, porque a beleza está morta”.
Já que o Dadá negava todos os padrões estéticos e artísticos, eles usavam a incompreensão como arte de forma intencional – normalmente, pegavam objetos na rua, que haviam sido jogados fora, e utilizavam em suas obras de arte.
Eles queriam fazer um protesto, afinal, eram anarquistas e niilistas. O objetivo era criar o caos e a desordem. Sabe o filme do Batman, quando o Alfred diz que alguns homens só querem ver o mundo pegar fogo, se referindo ao Coringa? Pois é. Bem Dadá.
A arte dadaísta tinha um caráter fortemente irônico, agressivo e pessimista: a guerra, a burguesia e o materialismo tinham que acabar. Para eles, qualquer ideia de nacionalismo era uma farsa. O consumismo e o capitalismo eram altamente condenáveis.
Em 1916, Hugo Ball escreveu o Manifesto Dadaísta. Leia um trecho para entender como esses artistas realmente queriam o fim das regras, da razão e da lógica:
Como conquistar a eterna bem-aventurança? Dizendo Dadá. Como ser célebre? Dizendo Dadá. Com nobre gesto e maneiras finas. Até à loucura, até perder a consciência. Como desfazer-nos de tudo o que é enguia e dia-a-dia, de tudo o que é simpático e linfático, de tudo o que é moralizado, animalizado, enfeitado? Dizendo Dadá. Dadá é a alma-do-mundo, Dadá é o Coiso, Dadá é o melhor sabão-de-leite-de-lírio do mundo. Dadá Senhor Rubiner, Dadá Senhor Korrodi, Dadá Senhor Anastasius Lilienstein.
Quer dizer, em alemão: a hospitalidade da Suíça é incomparável, e em estética tudo depende da norma.
Leio versos que não pretendem menos que isto: dispensar a linguagem. Dadá Johann Fuchsgang Goethe. Dadá Stendhal. Dadá Buda, Dalai Lama, Dadá m'Dadá, Dadá m'Dadá, Dadá mhm'Dadá. Tudo depende da ligação e de esta ser um pouco interrompida. Não quero nenhuma palavra que tenha sido descoberta por outrem. Todas as palavras foram descobertas pelos outros. Quero a minha própria asneira, e vogais e consoantes também que lhe correspondam. Se uma vibração mede sete centímetros, quero palavras que meçam precisamente sete centímetros. As palavras do senhor Silva só medem dois centímetros e meio.
Essa literatura fez questão de negar qualquer tipo de princípio ou relação. A obra tinha que ser espontânea e não ter lógica alguma. O Dadá chega a ser considerado um movimento antiartístico.
Veja a fórmula criada pelo próprio Tzara para criar uma obra literária digna do Dadá:
Para fazer um poema dadaísta
Pegue um jornal.
Pegue uma tesoura.
Escolha neste jornal um artigo que tenha o comprimento que você queira dar ao seu poema.
Corte o artigo.
Corte em seguida com cuidado cada palavra dele e ponha-as em um saco.
Agite delicadamente.
Pegue, depois, um recorte após outro.
Copie as palavras rigorosamente na ordem em que saíram.
O poema se parecerá com você.
E eis que você se tornará um escritor infinitamente original e de sensibilidade fascinante, mesmo que incompreendido pelo vulgo.
Essa arte foi vista como infantil para muitos de sua época e pode ser vista até hoje dessa forma. Todavia, é importante ressaltar o seu lado crítico: a Europa estava dominada pelo caos da guerra, e a insistência do Dadá na falta de lógica e na gratuidade dos eventos faz com que uma crítica seja lançada a essa realidade incômoda.
No Brasil, os grandes escritores influenciados pelo Dadá foram Mário de Andrade e Manuel Bandeira, autores com forte presença no movimento modernista brasileiro.
Toda a repulsa do Dadá pela burguesia pode ser vista nesse poema de Mário de Andrade:
Ode ao burguês
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! (...)
O dadaísmo pode parecer infantil quando é visto pela primeira vez. Muitos olham para “A fonte” e dizem: “é apenas um mictório, apenas um urinol”, mas é muito mais do que isso.
O dadaísmo surge em um contexto onde a guerra dominava a sociedade com medo, angústia e caos. Pessoas morriam todos os dias. Com suas obras focadas na falta de lógica e da razão e na gratuidade dos eventos, o dadaísmo surge com o objetivo de criticar a realidade incômoda que assolava o mundo.
A peça “A fonte” foi criada pelo francês Marcel Duchamp e apresentada em Nova Iorque em 1917.
A transformação de um urinol em obra de arte representou, entre outras coisas: