
Não vai ter mais licenciatura EAD? Entenda o que diz decreto do MEC
Isabella Baliana | 22/05/25O novo decreto do MEC proíbe a licenciatura 100% EAD; entenda como ficam os estudantes e quais os novos critérios para cursos de licenciatura no país.
“As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.”
Este é o primeiro artigo da Lei de Cotas (Lei 12.711, de 2012), que completa 10 anos em 2022. Sancionado em agosto de 2012, o documento possui uma recomendação de revisão (Artigo 7º) ao chegar a uma década de existência.
A Lei de Cotas determina que das vagas destinadas aos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas, 25% sejam atribuídas às pessoas com 1,5 salário mínimo per capita.
Além disso, a distribuição de vagas por cota racial e deficiência é feita com observação aos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para cada Unidade Federativa (UF) do país, e baseada nos indicadores populacionais de raça e deficiência (PCD).
Antes de observar o impacto dos 10 anos da Lei de Cotas, é importante destacar duas instituições que foram precursoras de ações afirmativas no país: a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade de Brasília (UnB).
Em 2003, a UERJ divulgou o seu edital com as orientações de distribuição das vagas para estudantes que haviam cursado o ensino médio em escolas da rede pública. Na primeira edição do vestibular com cotas sociais e raciais, cerca de 63% das vagas foram ocupadas.
Atualmente, a instituição regulamenta 20% das vagas de cada curso de graduação com destino às pessoas negras, indígenas e oriundas de comunidades quilombolas; 20% a alunos da rede pública de ensino; e 5% a pessoas com deficiência e a filhos de policiais civis e militares, bombeiros e inspetores de segurança e administração penitenciária mortos ou incapacitados durante o serviço.
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Também em 2003, a UnB aprovou o Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial que destinava 20% das vagas do vestibular para candidatos negros e a disponibilização de vagas para indígenas, de acordo com demanda específica. Com a medida em vigência no ano seguinte, a instituição de ensino foi a primeira universidade federal a aprovar ações afirmativas étnico-raciais para o seu processo seletivo.
Em entrevista à Revista Quero, a Profª Drª Maria Fátima de Melo Toledo, que leciona a disciplina de História da África na Universidade de Taubaté, relembrou a importância do ano de 2003 para ações afirmativas e para a população brasileira.
A Lei. 10.639, de 2003, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
“A Lei de Cotas consolida uma série de medidas tomadas principalmente pelos movimentos negros. Foi a consolidação das lutas, tanto a Lei de 2003, quanto a Lei de 2012, que vem a promover a inclusão de grupos historicamente excluídos. Todo um processo histórico e uma dinâmica histórica que excluiu
[a população negra] por conta do racismo estrutural”, iniciou.“As políticas afirmativas ou medidas para combater a discriminação racial, elas existiram no passado e não começaram em governos atuais.
[…] A Lei (10.639, de Janeiro de 2003), ela foi muito importante e, ainda que tenhamos dificuldades na prática, hoje, os jovens apresentam conhecimentos sobre a África, sobre o processo de escravidão em relação às gerações anteriores. E essa é uma grande forma de combater o preconceito”, mencionou.Outro importante marco que antecede a Lei de Cotas (2012) é a promulgação do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, que ressalta a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
Sobre as questões educacionais, o Estatuto “afirma a necessidade de implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros”, segundo o Artigo 4º inciso VII da Lei. 12.288, de julho de 2010.
“Foi fundamental para a criação da Lei – (12.711) – em 2012. Ele é importante e atual para que haja fundamentação de todas as ações e políticas que forem pensadas. É um documento que embasa todas essas políticas”, afirmou Maria Fátima de Melo Toledo.
De acordo com o Censo da Educação Superior, em 2010, haviam 682.344 estudantes negros matriculados no ensino superior. Para comparação, avançando dez anos no calendário, e com a Lei de Cotas em vigência por sete anos, esse número seria ampliado para 3.265.715 de estudantes em 2020. Em outras palavras, um aumento de quase 400% de alunos negros no ensino superior.
Antes da Lei de Cotas de 2012, as ações afirmativas já estavam em vigência no país. O Gemma (Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa) define ações afirmativas como:
“Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão sócio-econômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero, de classe ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural.”
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Entretanto, o critério socioeconômico era protagonista na relação entre ações afirmativas e educação superior pública. De acordo com o estudo Ação Afirmativa no Brasil: Multiculturalismo ou Justiça Social, de João Feres Júnior e Luiz Augusto Campos, 60 das 70 universidades públicas brasileiras possuíam algum tipo de ação afirmativa, em 2011, para alunos oriundos de escolas públicas, e 40 instituições de ensino apresentavam medidas para alunos pretos ou pardos.
Entre as 40 instituições com medidas para alunos pretos ou pardos, 36 levavam em conta a renda ou a proveniência de escola pública dos candidatos. Ou seja, apenas quatro universidades públicas apresentavam ações afirmativas ligadas às questões étnico-raciais como critério, de acordo com o estudo.
Vale relembrar que a implementação da Lei de Cotas foi gradual no país. Em 2013, seguinte à sanção da Lei, 12,5% do número de vagas ofertadas foram reservadas e com o planejamento de aumento gradual das vagas para os estudantes que têm direito às ações afirmativas. Três anos depois, o aumento gradativo atingiu o número de 50%, que é a porcentagem atual para as vagas aos estudantes na Lei de Cotas.
No mesmo ano de 2013, a Unesp também estabeleceu a diretriz de 50% das vagas referentes aos cursos de graduação com destino aos alunos que cursaram de forma integral o ensino médio em escolas públicas. Dos 50%, 35% das vagas foram reservadas aos estudantes pretos, indígenas e pardos. Com a medida, a instituição foi a primeira estadual no estado de São Paulo que adotou ações afirmativas em seu processo seletivo.
Com a passagem dos anos, o cenário de redução da disparidade do acesso à educação foi ganhando notoriedade. Segundo a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, realizada pelo IBGE, a quantidade de estudantes pretos ou pardos, entre 18 e 24 anos de idade, cursando ensino superior aumentou de 50,5% para 55,6% entre os anos de 2016 e 2018.
No ano de 2019, a maioria dos estudantes matriculados em cursos superiores no Brasil eram brancos, de acordo com o Censo da Educação Superior, do Ministério da Educação (MEC). Naquele ano, 42,6% se declararam brancos, 31,1% pardos, 7,1% pretos, 1,7% amarelos, 0,7% indígenas e 16,8% não declararam cor e raça.
Segundo levantamento feito pela Quero Bolsa, com os dados do Censo da Educação Superior, o percentual de alunos negros matriculados (soma de pretos e pardos) aumentou desde o ano de 2010 nas instituições de ensino superior (IES).
Em 2010, os estudantes pretos representavam 2,31%, os pardos representavam 8,39% e, portanto, a somatória de alunos negros era de 10,70% nas instituições de ensino superior. Em 2015, cinco anos do Censo e três anos após a implementação da Lei de Cotas, os números aumentaram para 5,35% (pretos), 21,71% (pardos) e, portanto, 27,07% de alunos negros nas IES.
Mais recentemente, o ano de 2019 apresentou dados ainda maiores que o de 2010: 7,13%, de estudantes pretos, 31,02%, referentes aos estudantes pardos, totalizando 38,15% de estudantes negros nas instituições de ensino superior.
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Em decorrência do 10º ano de vigência da Lei 12.711, de 2012, diversos Projetos de Lei (PLs) foram criados por parlamentares com o propósito de ajustar, rever ou editar o modelo de ações afirmativas proposto em tempos atuais.
O primeiro exemplo é o Projeto de Lei 4656, de 2020, que determina revisão do programa especial a cada 10 anos para o acesso às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiência. Além de propor as ações afirmativas em processos seletivos dos cursos de graduação de instituições particulares.
Outro exemplo é o PL 3422/2021, que prorroga a necessidade de revisão da Lei de Cotas até 2062. A finalidade é ampliar o tempo para revisões e adotar medidas complementares, como o início de um Conselho Nacional para melhorias e aprimoramentos através da veiculação de relatórios no período de cinco anos.
Por outro lado, o Projeto de Lei PL 1531/19 visa “retirar o mecanismo de subcotas raciais para ingresso nas instituições federais de ensino superior e de ensino técnico de nível médio”, de acordo com a própria ementa junto ao Senado, e o PL 5303/2019 que também deseja a revisão e exclusão sobre “a menção às cotas raciais para o ingresso em instituições federais de ensino”, afirma o documento.
Sobre o cenário de revisão da Lei de Cotas, a professora Maria Fátima de Melo Toledo, da UNITAU, se posiciona sobre o assunto: “Existem vários projetos de Lei que desejam diminuir as porcentagens
[de vagas] ou formas de ingresso. Houve um avanço e os resultados da Lei são evidentes. Se você pegar os números de 2010, houve um avanço de 400% nas universidades brasileiras”.Enquanto isso, novas instituições de ensino aprovam as cotas raciais para o processo seletivo. Em 2023, a Universidade Estadual do Pará, que possui 21 campi em 16 municípios, também confirmou a adoção das cotas étnicos-raciais para o ingresso nos cursos de graduação. No dia 29 de agosto, a Lei de Cotas completará 10 anos de continuidade e a revisão da Lei segue gerando debate entre a população e os respectivos representantes políticos.
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