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Por que os estudantes negros são os mais afetados pela pandemia?

As desigualdades raciais na educação não surgiram com a pandemia, elas são herança do sistema escravocrata e estão ligadas ao racismo

A pandemia do novo coronavírus não atinge a todos igualmente. Pelo contrário, ela escancara as desigualdades sociais e raciais do Brasil. A população negra – que representa 56% do País – é a mais vulnerável à Covid-19.

Marcello Casal/Agência Brasil
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Isso porque quanto mais pobre é a faixa da população, maior é a porcentagem de pessoas negras (pretas e pardas). Segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, dos 13,5 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza, 75% são pretos ou pardos.

São pessoas que residem em casas com maior número de moradores, em regiões mais afastadas, com falta de saneamento básico e longe dos serviços de saúde, e que dependem mais do transporte público e do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, há a necessidade de sair para trabalhar, se expondo em ocupações informais e essenciais. 

“Os negros são mais vulneráveis porque eles fazem parte do grupo que vive em condições de maior vulnerabilidade do ponto de vista econômico, social, cultural e político. Eles ficam mais sujeitos não por aspectos étnico-raciais mas em função do racismo que gera condições de comorbidade”, explica Juarez Xavier, professor e pesquisador de comunicação da Universidade Estadual Paulita (Unesp) e coordenador executivo do Núcleo Negro para a Pesquisa e Extensão (NUPE) da universidade.

Thomaz Silva/Agência Brasil
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Assim, a população preta e parda fica mais suscetível à infecção e morte pelo vírus do que a branca. De acordo com um estudo do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, da PUC-Rio, considerando os casos registrados pelo Ministério da Saúde até maio, quase 55% de pretos e pardos infectados morreram, enquanto a taxa entre os brancos é de 38%

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Em relação ao nível de escolaridade, a desigualdade pode ser ainda maior. O estudo aponta que as pessoas sem escolaridade têm três vezes mais chance de morrer de Covid-19 (71,3%) do que aquelas com nível superior (22,5%).

Dados esses que acendem outro alerta: o aumento da desigualdade racial na educação. Seja no Ensino Básico ou Superior, os estudantes negros são os mais atingidos pela pandemia no novo coronavírus.

 

Por que os estudantes negros são os mais afetados?

A pandemia afeta mais os estudantes negros por diversos motivos, principalmente pela questão econômica. A falta ou diminuição da renda durante a pandemia impactou diretamente na permanência dos estudantes mais pobres no Ensino Superior, sobretudo os negros.

Atualmente, a questão financeira é a que mais preocupa Ana Luiza Rocha, 20 anos, graduanda de Odontologia. Apesar de cursar uma universidade pública, a estudante precisa bancar os materiais do curso, que tiveram aumento de preço com a pandemia.

“Temos listas de materiais exorbitantes que chegam a 10 mil reais dependendo do ano do curso. Isso fez com que eu começasse a trabalhar o quanto antes, porque depois da pandemia os materiais ficaram muito caros. A minha renda familiar não foi alterada mas nunca foi fácil comprar esses materiais, sempre foi uma comoção familiar, todo mundo dá um pouquinho”, relata Ana.

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Ana Luiza está no 4º do curso de Odontologia na Unesp (Foto: Arquivo pessoal)

Com a crise sanitária, a taxa de desemprego subiu para 14% até setembro deste ano, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid-19 (Pnad Covid-19), divulgada pelo IBGE.

Dos 13,5 milhões de desempregados identificados pela pesquisa, 61,8% são pessoas pretas ou pardas. Enquanto a taxa de desocupação entre os brancos é de 11,5%, entre os negros ela chega a 16,1%.

A mãe do estudante Davi César Justo Oliveira, 17 anos, foi uma das pessoas que perdeu a renda durante a pandemia. Cursando o 3º ano do Ensino Médio, ele só pode continuar na escola particular em que estuda porque tem uma bolsa de estudos integral.

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Após se formar, Davi pretende prestar o Enem e tentar ingresso em instituições militares (Foto: Arquivo pessoal)

Segundo um levantamento do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior), no primeiro semestre de 2020, cerca de 608 mil alunos desistiram ou trancaram a matrícula nas faculdades privadas. São 83 mil estudantes a mais em comparação com o mesmo período do ano passado, um aumento de 14,7% na taxa de evasão. Já a taxa de inadimplência teve um crescimento de 29,9%.

Ainda de acordo com os dados da instituição, divulgados pelo portal Alma Preta, em abril, 94,1 mil estudantes negros tiveram que desistir do curso e mais de 558 mil tiveram dificuldade financeira para manter a mensalidade em dia.

Foi o caso da estudante Ana Vitória do Nascimento, 19 anos. Ela perdeu 20% da renda durante a pandemia e pensou diversas vezes em trancar seu curso de Marketing numa instituição privada. “Só não deixei de pagar pois senão perdia o desconto”, conta.

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Outra dificuldade de Ana Vitória é conciliar os estudos com a rotina corrida do trabalho (Foto: Arquivo pessoal)

 

Falta de estrutura em casa

Outra dificuldade é a estrutura precária em casa para estudar por meio do ensino remoto. É o que mostra um levantamento feito pelo Quero Bolsa, com os microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019. 

Segundo ele, 21% dos candidatos que prestaram o Enem no ano anterior não tinha a estrutura mínima em casa para realização de aulas a distância, ou seja, acesso a internet e um aparelho para assistir as aulas (celular ou computador). Entre os estudantes que não dispõem da estrutura mínima necessário para o EaD, 74,44% são negros, enquanto que os brancos representam apenas 20,1% do total.

Além da falta de internet e equipamentos, muitos não têm um espaço adequado ao estudo dentro de casa. Conforme a publicação Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil, lançada em 2019 pelo IBGE, a proporção de pessoas pretas ou pardas vivendo em casas sem coleta de lixo, sem abastecimento de água por rede geral e sem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial é maior do que a população branca nessas condições.

Antônio Cruz/Agência Brasil
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O adensamento domiciliar excessivo – situação em que há mais de três moradores por dormitório no domicílio – ocorre duas vezes mais nas casas de pessoas pretas ou pardas (7,0%) do que de pessoas brancas (3,6%).

 

Reflexos do sistema racista

As desigualdades raciais na educação não surgiram com a pandemia. Elas são herança do sistema escravocrata dos tempos do Brasil Colonial e, portanto, estão intimamente ligadas ao racismo.

Alguns dados da Pnad Contínua Educação de 2019, divulgada pelo IBGE, escancaram essa realidade. Segundo a pesquisa, dos 10,1 milhões de jovens brasileiros de 14 a 29 anos que não frequentam a escola nem concluíram o ensino médio, 71,7% eram pretos ou pardos (7,2 milhões).

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A principal causa da evasão dos estudantes pretos e pardos do ensino básico é a mesma que afeta a população negra como um todo: a questão financeira. Na Pnad, os motivos para sair da escola mais apontados foram a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%). “As condições de vulnerabilidade da família impõe ao estudante a necessidade de sair da escola para trabalhar e compor a renda da família”, completa o professor Juarez.

Mesmo quando os estudantes em maior vulnerabilidade social permanecem nas escolas, a desigualdade não se dissipa. Uma vez que não basta que eles tenham condições de igualdade dentro da escola se, fora da instituição de ensino, as desigualdades sociais ainda interferem no estudo desses alunos.

Marcello Casal/Agência Brasil
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“As condições extra sala de aula – condições econômicas, sociais, culturais e políticas, provocadas pelo racismo sistêmico – implicam no menor rendimento desses alunos, porque as condições sociais nas quais eles vivem afetam seu processo de aprendizagem, fazendo com que eles fiquem em desvantagem em relação aos grupos que têm melhores condições, os brancos”, pontua Juarez.

A baixa qualidade da aprendizagem desses alunos impacta diretamente no seu desempenho em exames de acesso ao Ensino Superior, como o Enem, e na sua motivação para ingressar na universidade.

Mesmo com crescimento de quase 400% na última década, a proporção de estudantes negros matriculados no Ensino Superior ainda representa apenas 38,15% do total. Em 2019, conforme um levantamento do Quero Bolsa, com os dados do Censo da Educação Superior, foram mais de 3 milhões de alunos negros matriculados.

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No Ensino Superior, as desvantagens econômica e de aprendizagem acompanham os estudantes negros e interferem, novamente, na sua permanência na universidade. Sem conseguir acompanhar as disciplinas do curso ou se manter financeiramente, milhares de estudantes negros evadem do Ensino Superior

“A evasão, muitas vezes, se dá em consequência da vulnerabilidade e dificuldade social na qual se encontra a família desse aluno negro, que num determinado momento opta em levá-lo para o mercado de trabalho ao invés de seguir com o processo escolar. Isso vai reproduzindo o ciclo de pobreza e de privilégios para grupos diferentes na sociedade brasileira”, completa Juarez.

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Com a pandemia, os índices de evasão podem piorar ainda mais. Na pesquisa Juventudes e a Pandemia no Coronavírus, realizada pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) em junho, 28% estudantes de 15 a 29 anos responderam que já pensaram em não voltar as aulas.

 

Como criar condições igualitárias?

Na visão do professor e pesquisador Juarez, para melhorar a desigualdade racial na educação brasileira e evitar que ela piore ainda mais após a pandemia, é necessário uma série de políticas públicas que possam criar condições mais igualitárias para a educação e para as relações sociais.

Marcello Casal/Agência Brasil
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Em primeiro lugar, para Juarez, é preciso uma política pública que permita a democratização do acesso à renda, como o auxílio emergencial da pandemia e o programa Bolsa Família. “O Bolsa Família já havia se mostrado um instrumento importante, que tirou milhões de pessoas da zona de fome e pobreza.

[O programa] associou a continuidade do pagamento do benefício à permanência do aluno na escola. É uma política importante que deve ser mantida”, afirma.

O professor acredita também na necessidade de assegurar a formação cultural dos alunos mais vulneráveis e colocar escolas de qualidade a disposição nas regiões que eles moram. Ele critica: “Há uma concentração das escolas com melhor material, equipamentos e recursos didáticos-pedagógicos no centro da cidade, o que não é reproduzido nas regiões periféricas”.

Thomaz Silva/Agência Brasil
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Outros especialistas apontam ainda a importância dos gestores e professores reconhecerem as desigualdades raciais e lutarem contra o racismo reproduzido no ambiente escolar, bem como dialogarem com a família e a comunidade e compreenderem a realidade e cultura dos estudantes negros. É fundamental também que se inclua no currículo escolar o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, obrigatório por lei mas deixado de lado por muitas instituições.

“Precisamos de um conjunto de ações políticas que façam um enfrentamento das desigualdades sociais e de gênero, da replicação das violências contra a população negra e do racismo sistêmico, e que, de fato, modifiquem a estrutura econômica, política e social do País para gerar condições equânimes, para que a população, sobretudo em condições de vulnerabilidade, possa dar continuidade ao estudo, ter acesso a renda, condições dignas de moradia”, conclui Juarez.

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Elaboração dos dados: Heitor Facini

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