Vestibulandos têm piora na saúde mental durante quarentena; veja como lidar com o momento
Isolamento social, aulas remotas e incertezas sobre o futuro despertam medo, ansiedade e insegurança em estudantes e professores; veja algumas dicas de como lidar com a situação
Um ano de vestibular dentro da normalidade já é muito complicado para os estudantes. “Os vestibulandos sentem ansiedade, insegurança e pressão com a proximidade das provas, além de sofrerem antecipadamente por um possível fracasso”, explica Gabriela Azevedo, psicóloga especializada em Educação Socioemocional e coordenadora da Academia de Talentos da Mauá.
Com a quarentena devido à pandemia de Covid-19, a situação piora. As escolas e cursinhos pré-vestibulares tiveram suas aulas suspensas. Em alguns, as aulas continuam a distância. Mas, a alternativa tem apresentado diversos desafios e dificuldades aos professores, alunos e familiares.
Professores sobrecarregados
Repentinamente, professores tiveram que adaptar o ensino presencial para a modalidade a distância. Muitos não dominam ou nem têm os dispositivos e ferramentas digitais necessários. Agora, além de preparar e dar aulas, eles precisam realizar uma série de outras tarefas que lhe esgotam.
A professora de Língua Portuguesa e coordenadora do Cursinho Popular de Itu, Cássia Vanessa Batalha, pontua que na modalidade EaD existe uma organização e um treinamento específico e as funções distribuídas, se tem um tutor, um professor que monta o material e técnicos em informática que editam esse material. Mas, no ensino on-line da quarentena, a situação é bem diferente:
“No ensino remoto, não temos recursos para assumir as diferenças responsabilidades. Ora sou produtora, ora sou editora, ora sou quem resolve os problemas técnicos. Os tipos de ensino são bastante diferentes e, por isso, os professores estão com toda essa sobrecarga”.
Por conta da falta de instrumentos, do cansaço da equipe e da preocupação de pressionar ainda mais os professores e alunos, o Cursinho Popular de Itu demorou para retomar as aulas remotamente. A primeira aula on-line aconteceu neste mês e teve boa receptividade por parte dos vestibulandos.
Érico Vinicius Fonseca dos Santos, pedagogo, professor e também coordenador do Cursinho Popular de Itu, aponta que, além do trabalho triplicado de adaptação, os professores não vêem um retorno efetivo, pois devido à falta de contato, não é possível saber se está havendo um aprendizado verdadeiro.
“Os professores sentem que é muito esforço despendido para pouco e sem retorno. Isso acaba afetando a saúde. Além disso, o apoio do poder público é zero, é só cobrança de conteúdo”, destaca Érico.
Uma pesquisa do Instituto Península aponta que as demandas e expectativas que recaem sobre os professores aumentaram ainda mais nesse período, trazendo sentimentos como medo, ansiedade e insegurança.
Em meio à mudança drástica e repentina na rotina, a pesquisa apontou que os principais tipos de apoios que os professores sentem falta ou consideram importante receber no momento são informações e apoio psicológico.
Veja: Dados sobre saúde mental de estudantes EaD no Brasil não existem
Desigualdade digital prejudica estudantes
Na outra ponta da conexão, os alunos tentam acompanhar as aulas on-line. Mas, muitos não têm computador ou smartphone, materiais, local adequado para estudar e nem sequer internet.
O Brasil enfrenta uma desigualdade digital. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) de 2018, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 25,3% dos brasileiros não têm acesso à internet.
As condições impactam diretamente no desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Segundo um levantamento feito pelo Quero Bolsa, com os dados microdados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), das últimas cinco edições da prova, os estudantes que não possuem acesso à internet, celular e/ou computador tiveram a nota média 10% menor do que aqueles que informaram ter acesso à a esse tipo de tecnologia. Essa diferença aumentou 12% entre os anos de 2015 e 2018.
Incertezas sobre o futuro
Com muitos alunos sem condições de estudar em casa, milhares de estudantes se movimentaram pedindo o adiamento do Enem 2020. No último dia 20, o Ministério da Educação (MEC) decidiu adiar as provas de 30 a 60 dias após as datas previstas, deixando o cenário de dúvida ainda maior.
A psicóloga Gabriela enfatiza que o momento, permeado de incertezas e ameaças, aumenta a sensação de insegurança, ansiedade, vulnerabilidade e medo frente ao desconhecido. Além disso, o estudo pode ficar prejudicado pela queda do nível de concentração, pois a atenção está difusa com tantas novas informações sobre a pandemia.
Uma das pessoas que está sofrendo com a situação é a estudante Natasha Aparecida Penteado Falsetti, 20, que sonha em cursar Arquitetura e Urbanismo. Ela conta que já sofria com a preparação para o vestibular; se sentia ansiosa com as provas e os resultados. Mas, tinha o apoio dos professores do cursinho popular em que estuda, o que diminuia as crises de ansiedade.
Entretanto, com a quarentena, seus estudos ficaram bagunçados. Não são todos os professores que conseguem continuar as aulas a distância e ela precisou mudar seu cronograma de estudos, além de ficar sem material para estudar algumas matérias. Mesmo com seus autocuidados, ela sente que sua qualidade de vida e saúde mental pioraram:
“Nessa quarentena, eu me sinto em uma montanha russa. Tem dias em que eu estou bem e consigo aproveitar melhor os estudos e o tempo comigo mesma. Porém, tem dias em que eu fico muito mal e não consigo fazer mais nada. Quero chorar, fico irritada, me jogo na cama e me sinto culpada por não estudar, mas se me forço a abrir o material, fico pior ainda por não render nos estudos”.
A professora Cássia relata que o ano de vestibular já é delicado para seus alunos, e agora, dada as circunstâncias, pânico é ainda maior. Os professores tentam apoiar os estudantes, mas também sofrem com a situação. “Temos esse papel de acolher mesmo sem ter acolhimento próprio”, afirma o professor Érico.
“Enquanto professores tentamos acalmá-los, mas o cenário político e educacional está tão instável que não conseguimos fazer essa mediação, me faltam palavras. Estou bastante impossibilitada emocionalmente para conseguir apoiá-los nesse momento tão importante”, desabafa Cássia.
Quando buscar ajuda?
A psicóloga Gabriela explica que estados ansiosos e depressivos podem acontecer durante o isolamento social, mas é preciso ficar atento a alguns sinais de alerta. Veja quando é hora de buscar ajuda psicológica:
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Se houver uma interferência muito significativa nas atividades do cotidiano;
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Se as tarefas se tornarem difíceis de serem realizadas;
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Se houver uma falta de concentração muito significativa;
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Se a pessoa se perceber profundamente irritada e intolerante.
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Como lidar com a situação?
Cada pessoa reage ao cenário atual de uma maneira diferente. “Por isso, é importante que as pessoas respeitem seus momentos e não se cobrem por padrões. É fundamental voltar o olhar para si e compreender o que o fará bem neste momento”, destaca Gabriela.
A psicóloga recomenda que os estudantes estabeleçam uma rotina de estudos que esteja alinhada ao seu ritmo, para que não haja acúmulo de tarefas – gerando mais ansiedade. O cronograma também deve contemplar pausas, atividades físicas e boas horas de sono. “Ao seguir seu cronograma, o jovem conseguirá reduzir seu nível de ansiedade e se sentir mais no controle da situação”, completa.
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A importância das competências emocionais
Nesse momento de crise, mais do que nunca, é essencial que os estudantes desenvolvam e coloquem em prática suas competências emocionais. De acordo com o Instituto Ayrton Senna, as competências emocionais são as capacidades de se relacionar consigo mesmo e com os outros, estabelecer objetivos, tomar decisões e enfrentar situações adversas ou novas.
O instituto desenvolveu um modelo que define cinco macrocompetências: autogestão, engajamento com os outros, amabilidade, resiliência emocional e abertura ao novo. Elas incluem mais 17 competências emocionais que podem ser vistas na imagem abaixo.
Essas habilidades ajudam o estudante a lidar melhor com a situação. “Em acompanhamento de vestibulandos, resgatamos momentos de incertezas que o estudante já tenha vivido e mapeamos recursos internos que ele utilizou em situações anteriores para que se aproprie deles novamente e tenha compreensão de como é capaz de dar conta de situações desconhecidas”, conta a psicóloga.
Dicas para melhorar a saúde mental
Com informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Instituto Ayrton Senna listou uma série de dicas para colocar em práticas essas competências e melhorar a saúde mental durante a quarentena. Confira as principais dicas!
Empatia
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Mantenha contato por telefone ou WhatsApp com amigos e familiares;
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Tenha compaixão pelo sofrimento do outro;
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Estabeleça uma rotina de diálogo para conversar sobre as percepções e emoções de cada um da família;
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Busque se expressar com familiares, professores e colegas.
Foco e persistência
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Tente não consumir notícias que aumentem o estresse, medo e ansiedade e busque informações apenas de fontes confiáveis e oficiais;
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Não passe o dia todo buscando informações, o faça apenas uma ou duas vezes por dia;
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Evite dar corda para boatos e “fake news” e disseminá-los para seus contatos sem checar a veracidade do conteúdo;
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Construa planos e um passo a passo para viver uma rotina de isolamento;
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Proponha atividades em família.
Responsabilidade
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Mantenha os hábitos de higiene e não saia de casa;
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Participe ativamente das atividades da casa.
Tolerância ao estresse
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Mantenha a atenção a sentimentos e demandas internas;
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Se estiver agitado, nervoso ou com pensamentos negativos, converse com alguém de confiança;
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Tenha um horário do dia para movimentar o corpo, com atividade física ou dança, de preferência, com a família;
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Tenha um diário, pode ajudar a extravasar pensamentos e sentimentos.
Criatividade e interesse artístico
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Tenha um momento do dia para desenvolver o lado artístico, seja com instrumentos, desenhos, canto, escrita ou dança;
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Ouça canções de artistas favoritos e conheça novos artistas;
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Compartilhe as novas artes descobertas ou a própria arte com amigos e familiares.
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