Como advogado atuante, ele permaneceu fazendo cursos para aprimorar seu conhecimento na área e, mesmo depois de tantos anos, percebe que ainda tem muita coisa para mudar. Na época, a faculdade não tinha nenhum recurso e nenhum outro aluno com deficiência visual. Então, Gilmar se propôs a fazer o vestibular de forma oral, assim como foram feitas suas provas durante todos os anos de graduação.
A infraestrutura do prédio não era nada acessível, e ele contava com a colaboração dos colegas e do uso de técnicas para subir os dois lances de escada, todos os dias, para chegar até a sala de aula. Mas o colega cadeirante não tinha a mesma oportunidade.
Cadeirante: Viviane fez duas faculdades e chegou à pós-graduação
Viviane Alvarez (22), entende bem o que é isso. Sua deficiência atinge braços e pernas. Para ter mais autonomia, ela faz o uso da cadeira de rodas automatizada. Formada em 2017 no curso de Rádio e TV na Faculdade Cásper Líbero, ela chegou a estudar um período na Anhembi Morumbi e atualmente faz pós-graduação de Direção de Arte em Comunicação na Belas Artes. Entre todas as experiências que teve, o maior desafio foi a locomoção e a falta de acessibilidade em algumas áreas das faculdades.
Ao ser perguntada sobre em que as instituições deveriam investir para melhorar a qualidade de vida de estudantes cadeirantes, ela relata que as faculdades precisam oferecer pisos planos, sem degraus; rampas de acesso; elevadores e banheiros com tamanhos adequados; lugares para cadeirantes nos auditórios e mais sinalização. A estudante reforça: “não podemos esquecer que tem outras pessoas com deficiências diferentes, não tão comuns, e que também precisam ser atendidas”.
Inclusão: muito além das rampas
Elaine Rodrigues é formada em Letras, Gestão de Pessoas e tem proficiência em Libras (Língua brasileira de sinais). Seu irmão é deficiente auditivo e, com a experiência que adquiriu durante os anos, ela acredita que a inclusão deve “oferecer o que o outro precisa para que a pessoa com deficiência possa ter os mesmos resultados que uma pessoa sem deficiência”. Acessibilidade, para ela, é mais do que rampas de acesso, é necessário trabalhar, principalmente, as barreiras atitudinais.
“A primeira coisa para ajudar é procurar saber como ajudar e não ter vergonha em perguntar”, afirma Elaine. Essa postura, que serve para toda a sociedade, serve principalmente para as instituições de educação. Tanto Elaine como Teresa Costa d’Amaral, que é superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), acreditam que o correto seria as universidades marcarem uma avaliação individual e, junto ao aluno, entender do que ele precisa, preocupando-se em dar suporte desde o primeiro dia de aula.
Minha necessidade é diferente da sua
Tanto Elaine como Teresa afirmam que cada pessoa e cada deficiência precisa de um tipo de suporte. Por isso, é de extrema importância que haja interesse e disposição em entender a necessidade particular de cada um, para que assim não ocorram equívocos, como a aquisição de algum material ou a contratação de profissionais que não atendam à real necessidade dos alunos com deficiência, da instituição.
No entanto, existem suportes que atendem a mais de uma deficiência, que é o caso de pessoas com mobilidade reduzida. A rampa de acesso, por exemplo, não serve só para cadeirantes, mas também atende o anão, o idoso e a pessoa acidentada que faz o uso de algum aparelho para se locomover, temporariamente.
Mas existem casos, como o da pessoa com deficiência auditiva, que as necessidades são diferentes. Algumas pessoas precisam de um intérprete e outras de não, uma vez que sejam adeptos à leitura labial.
Tecnologia Assistiva
Teresa reforça que há maneiras simples de atender a algumas demandas. Na internet, por exemplo, podemos encontrar ferramentas gratuitas ou com preços acessíveis para serem instaladas em laboratórios. Isso ajuda a pessoa com deficiência a participar de forma mais ativa das aulas ou se socializar mais com os outros alunos e professores.
Hoje em dia, existem aplicativos como Be My Eyes, que une pessoas com a visão perfeita e deficientes visuais; Ubook, que é uma audioteca com um acervo que conta com vários gêneros literários e mais de mil títulos; Giulia, um aplicativo que possui um sistema que traduz em sons o significado dos movimentos de quem está utilizando ao app, facilitando a comunicação entre surdos e pessoas que não conhecem a Libras.
Outra questão importante é a capacitação dos professores, que muitas vezes estão despreparados para receber esses alunos. Tanto a Viviane como o Gilmar perceberam isso. O que os ajudou foi a disposição dos educadores em ouvi-los e atendê-los, apesar dos poucos recursos ou suporte.
“Para não desistir e desanimar, também precisei contar com minha própria força de vontade”, Gilmar Toledo.
Durante as aulas, Gilmar fazia a gravação dos áudios e, às vezes, xerocava o caderno dos colegas. Em casa, para estudar, contava com a ajuda dos sobrinhos para ler todo conteúdo. Porém, hoje, as faculdades têm condições de oferecer materiais e tecnologias assistivas – dispositivos, técnicas e processos de apoio que dão assistência, ajudam na reabilitação e inclusão, melhorando a qualidade de vida de pessoas com deficiência –, além de profissionais adequados para determinadas deficiências.
Direitos e medidas inclusivas
Na época em que Gilmar estudou, não havia políticas afirmativas – atos ou medidas que visam a combater os efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado – e nem vigorava a lei de acessibilidade nas faculdades. “O que aconteciam eram algumas reivindicações nas reuniões”. Foi um desafio constante defender seus direitos, assim como ainda é nos dias de hoje. Para Teresa, o problema está na falta de vontade e interesse em cumprir a lei, que garante educação para todos e assegura a inclusão da pessoa com deficiência.
Confira! LEI Nº 13.409, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2016.
“Nós lutamos por um intérprete para um estudante, porque a faculdade não queria oferecer. Ganhamos a causa e a faculdade ofereceu, porém, só no primeiro semestre. Tivemos que lutar e passar por isso todo semestre, pois a faculdade não incluiu o trabalho contínuo”, conta Teresa.
O trabalho é árduo e há tentativas e insistências para que as instituições cumpram suas obrigações, entretanto a responsabilidade não se limita às faculdades, mas compete a toda a sociedade, incluindo os alunos que dividem o espaço com estudantes.
Compreender que há um distanciamento que exclui pessoas com deficiência é importante para que a nossa postura diante disso seja adequada.
Socialização
Diferente de muitos outros alunos, Viviane teve uma experiência tranquila no quesito inclusão e interação com amigos e professores. “Não sofri bullying na faculdade, a maioria das pessoas me respeitava e isso para mim já é o essencial”, conta segura e ciente de que nem todos estavam abertos para uma interação. Ela ainda afirma que “na faculdade, as pessoas são um pouco mais maduras, na pré-escola isso pode ser muito mais difícil”.
A estudante recém-formada também lembra atitudes simples que as pessoas poderiam ter para evitar alguns constrangimentos, além de facilitar o dia a dia durante o período que ela estava na faculdade. Alguns estudantes, por exemplo, usavam o banheiro acessível para trocar de roupa, por ser um local mais espaçoso e privado. Outro caso é quando, ao final das aulas, os colegas estavam ansiosos para ir embora e ela teve que esperar vários minutos para poder entrar no elevador, já que ninguém cedia o lugar. Por isso, é válida a regra de se colocar no lugar do outro.
“O que esperamos é chegar o dia em que a pessoa com deficiência irá entrar na faculdade como cada um de nós, com menos dificuldades”, conta Teresa, superintendente do IBDD.
Uma palavra de inspiração