Universidades exercem papel inclusivo e de combate ao racismo e à desigualdade racial
Muito além do mundo acadêmico, universidades brasileiras têm papel importante na luta contra a desigualdade racial e o racismo
Os dados da pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) baseada na Pnad Contínua mostraram que o número de estudantes autodeclarados pretos ou pardos foi superior aos brancos em universidades públicas pela primeira vez na história.
No total, mais de 1,14 milhão de universitários da rede pública de ensino superior são negros, número equivalente a 50,3% do total de alunos em instituições federais, estaduais e municipais. A pesquisa do IBGE mostra que a Lei de Cotas, promulgada em 2012, teve papel importante nessa evolução ao longo dos últimos anos.
Além da inclusão no ensino superior, há universidades que exercem papéis que vão além do meio acadêmico e têm importante atuação e impacto no combate à desigualdade e ao racismo.
Há 15 anos, em São Paulo, a Faculdade Zumbi dos Palmares estimula a participação do público negro no espaço do Ensino Superior. “A Zumbi dos Palmares tem um recorte e tem um propósito”. “De trabalhar no sentido de promover um ambiente de equalização, acessos e de oportunidades para os jovens negros. E, a partir dos jovens negros, disponibilizando essa possibilidade para todos”, afirma o professor José Vicente, fundador e reitor da universidade.
Por ter caráter comunitário, a faculdade, que carrega o nome do líder do Quilombo dos Palmares, não tem fins lucrativos e se estrutura em ações que auxiliem seu entorno a construir soluções e estimular debates para a busca da resolução de questões e problemas sociais. “Tem uma ação bastante intensa de debater as causas e os reflexos da discriminação, do racismo e da intolerância na sociedade brasileira e mundial”, afirma o reitor.
Integração internacional é foco de instituição federal
Acompanhando a linha que atua diretamente nas questões raciais, no interior do Nordeste brasileiro a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) possui uma representatividade de 82,2% de estudantes de graduação pretos e pardos. Fundada em 2010, a instituição federal possui campus em três cidades fora das principais regiões metropolitanas do Ceará e da Bahia.
“A Unilab é uma universidade cheia de simbolismos“, diz o professor Arilson dos Santos Gomes, chefe do Setor de Promoção da Igualdade Racial (Sepir) da Unilab.
Ele conta que a cidade de Redenção, no interior do Ceará, foi escolhida como sede por ser a primeira cidade brasileira a abolir a escravidão, no ano de 1883. Já o Campus dos Malês está situado em São Francisco do Conde, na Bahia, município que concentra o maior percentual de negros no Brasil, conforme Censo Demográfico de 2010, do IBGE, destacado por estudos dos pesquisadores Deolindo de Barros e Silvia Garcia Nogueira.
Além de brasileiros, a universidade conta com estudantes da Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Por isso, a principal missão da instituição é fortalecer a integração internacional entre o Brasil e os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Segundo dados do MEC consultados pela Revista Quero, 20,5% dos estudantes da Unilab são estrangeiros, o segundo maior número de universidades brasileiras. “Os recursos humanos e materiais da Unilab foram pensados e estão sendo desenvolvidos e consolidados para formar indivíduos e coletivos no enfrentamento e superação das desigualdades sociais em níveis regional, nacional e internacional”, afirma o professor.
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Pesquisas vão além da produção de conhecimento
Colocar em evidência a necessidade do debate e discussão de temas referentes aos negros no Brasil é um propósito em comum dessas universidades. Assim, as instituições deixam de ser exclusivamente um espaço de produção de conhecimento baseado em pesquisas científicas e acadêmicas e exerce também o papel social.
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[As universidades cumprem] esse papel de ser uma referência e um espaço qualificado para debater esse tema e uma ferramenta política importante”, afirma o reitor da Zumbi dos Palmares, José Vicente. “Seja para dar visibilidade a essas questões, seja para oferecer em grande medida as possíveis soluções e encaminhamentos de forma elaborada, qualificada e viável.”Na Unilab, o Sepir atua pela igualdade étnico-racial no ensino, na pesquisa e na extensão e envolve a comunidade universitária na discussão de situações e combate a problemas. “Além do Sepir, a Unilab agrega inúmeros grupos de pesquisas e de estudos que desenvolvem pesquisas e ações em torno das temáticas de gênero, da igualdade racial, das ações afirmativas, de combate a pobreza, de estudos com os povos indígenas e também contra a intolerância religiosa”, conta o professor Arilson.
As pesquisas científicas também costumam ser trabalhadas em temas que priorizam as discussões raciais.
“Para nós que conhecemos minimamente as dificuldades e a complexidade da resolução dos problemas da exclusão, do não pertencimento, da não participação e da não interação normal e tranquila do negro na sua vivência cultural, a gente não tem dúvida de que é indispensável que, principalmente o ambiente do conhecimento, se debruce para produzir as soluções teóricas e acadêmicas que um tema dessa natureza precisa”, diz José Vicente.
“Promover o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional, além do combate às desigualdades, compõem os escopos das pesquisas realizadas na Unilab”, aponta Arilson, que destaca que as áreas da pesquisa atendem interesses mútuos entre o Brasil e demais países de língua portuguesa. Ele cita a formação de professores, desenvolvimento agrário, gestão e saúde pública.
Conscientização e mudanças
Segundo José Vicente, fundador da Faculdade Zumbi dos Palmares, o Brasil e o mundo passam por uma mudança em aspectos culturais, sociais, tecnológicos e profundos. Por isso, a Zumbi pensa em rumos que influenciem o lado externo à instituição. “Nós precisamos ajudar a mudar as mentes e a mudar os corações”, afirma o reitor.
Assim, a instituição mobiliza eventos para que compartilhem a mensagem da igualdade e do combate aos preconceitos. Para o Dia da Consciência Negra, a faculdade realizou a “Virada da Consciência” e envolveu quatro dias de celebração da cultura da comunidade negra. A programação contou com mais de 400 eventos com mais de cem parceiros. Esportes, samba e a tradicional “Fejuca da Zumbi” foram alguns dos destaques.
Para José Vicente, é a oportunidade de colocar na prática todos os valores da instituição. “Criamos essa Virada da Consciência com o propósito de que em algum tempo, lá no ano 2320, ter contribuído de forma significativa pra que a gente auxilie e ajude as mentes e os corações tenham uma atitude definitiva e inegociável com qualquer outra que represente o desvalor, o desrespeito, a agressão, a hostilização e a subjugação do outro, seja por conta da sua raça, da sua cor ou da sua sexualidade.”
“Acho que a Zumbi também, em alguma medida, ainda que seja no ponto de vista simbólico e metafórico, ela é uma luzinha no final do túnel de que há um caminho para ser trilhado”, completa o fundador da Zumbi.