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EaD na área da saúde: entenda os debates que envolvem a oferta de cursos

Você é contra ou a favor de cursos a distância na área da saúde? Veja o que dizem os especialistas

Atualizado em 04/11/2021

O ensino a distância (EaD) faz parte do sistema brasileiro de ensino de forma oficial desde 1996, por meio da Lei 9.394, e desde então já foi responsável por matricular milhões de alunos. Só em 2018 foram mais de dois milhões de matriculados, de acordo com dados do último Censo da Educação Superior. 

O número de cursos ofertados também registrou um salto significativo desde o surgimento da modalidade. Em meados dos anos 2000 havia apenas dez cursos superiores a distância registrados e, atualmente, há mais de três mil, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Porém, quando o assunto é cursos de graduação na área da saúde a distância, abre-se espaço para uma discussão bem mais complexa.

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Diferente dos demais tipos de formações de nível superior, os cursos que formam profissionais da área da saúde possuem elevada carga horária voltada para atividades práticas ao longo do curso, conforme determinam as próprias diretrizes do Ministério da Educação (MEC).

No centro da discussão sobre a oferta de graduações da área da saúde no formato EaD ou apenas de forma presencial, estão os representantes das instituições de ensino e da modalidade a distância, assim como órgãos da saúde e que regulamentam as profissões da área.

Mas, antes de adentrar nesse debate, é preciso compreender os conceitos de educação a distância e quais são as medidas necessárias para que ele seja disponibilizado em uma universidade, faculdade ou centro universitário.

estetoscopio e computador


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Afinal, o que é o ensino a distância?

O MEC define a modalidade de ensino a distância da seguinte forma:

“Educação a distância é a modalidade educacional na qual alunos e professores estão separados, física ou temporalmente e, por isso, faz-se necessária a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação”.

Sendo assim, os processos de ensino e aprendizagem podem incluir aulas ao vivo e gravadas, disponibilizadas em plataformas virtuais das instituições de ensino, além de fóruns para debates entre professores e colegas, atividades online e materiais de estudo. 

É importante evidenciar que todos os cursos de graduação possuem diretrizes e regulamentações feitas pelo MEC, as quais devem ser seguidas independente da modalidade de ensino. 

 

Entenda o que é preciso para ofertar um curso a distância

Antes de mais nada, para um curso de graduação ser disponibilizado ele precisa da autorização e reconhecimento do MEC.

Ao decidir ofertar um novo curso superior a instituição e seus polos devem estar credenciados no MEC, ou seja, ter registro no órgão especificamente para a modalidade EaD. 

Com o credenciamento em dia, o próximo passo é solicitar a autorização, a qual avalia três critérios: a organização didático-pedagógica, o corpo docente e técnico-administrativo, e as instalações físicas. As universidades e centros universitários não têm necessidade de fazer essa solicitação pois possuem autonomia – com exceção para a criação de cursos de Medicina, Odontologia, Psicologia e Direito, que dependem de autorização do Ministério para serem ofertados -, mas devem avisar a Secretaria dos novos cursos em um período de até sessenta dias após a abertura, para que a graduação seja avaliada e reconhecida. 

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Personagem segurando um sino de notificações

A avaliação de reconhecimento é feita quando o curso completa 50% de sua grade horária e antes de completar 75% do cumprimento da grade. Ou seja, um curso que possui duração de seis anos deve ser avaliado a partir de três anos após o primeiro dia de aula e, no máximo, quatro anos e meio depois do início da graduação. Tanto a avaliação de autorização quanto a de reconhecimento são feitas por dois avaliadores, em dois dias, por meio de uma visita até a sede da instituição ou ao polo. 

Há um documento que orienta as visitas, feito pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), com os critérios que devem ser avaliados.  A avaliação de reconhecimento verifica se o projeto apresentado para a autorização do curso foi cumprido, além de aspectos como a organização didático-pedagógica, o corpo docente, discente, técnico-administrativo e as instalações físicas. 

 

Os cursos que obtiverem nota igual ou maior que três no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), entretanto, podem optar por não receber a avaliação presencial para renovação de reconhecimento. O reconhecimento é obrigatório para que a emissão de diploma de determinado curso seja válida e ele deve ser renovado a cada três anos.

 Leia também: Qual é a diferença entre curso reconhecido e autorizado pelo MEC?

Problemas nas avaliações

Em outubro de 2019, durante uma sessão na Câmara dos Deputados que debatia a restrição de oferta de cursos EaD em cursos da área da saúde e engenharia, o MEC teve sua avaliação de cursos questionada.

Uma matéria da Agência Câmara de Notícias publicou a fala do representante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, João Carlos Correia, que se posiciona sobre o assunto. “Não somos contra EaD. Somos contra o modelo que tá colocado. Não dá para falar que eu vou fazer visita de curso e visitar só a sede. Olha: é linda é maravilhosa, a gente andava e todo chão era de granito. Aí vai no pólo: é no posto de gasolina; antigo açougue vira pólo. É isso?”.

Em seguida, de acordo a matéria, o diretor de Política Regulatória do Ministério da Educação (MEC), Marcos Heleno Guerson, acata a declaração, apesar de declarar que a maioria dos cursos têm qualidade. “Nós vamos abrir lá no MEC um processo de supervisão, e a instituição e o curso sofrerão as penalidades, inclusive de descredenciamento”, destaca.

Qual é o posicionamento oficial sobre o ensino a distância em cursos da área da saúde?

Até o momento não existe uma regulamentação oficial que proíba ou dê incentivo à oferta de cursos de graduação a distância na área da saúde, entretanto, algumas resoluções, projetos de lei, decretos ou recomendações ao longo dos anos influenciaram na maior ou menor oferta de cursos EaD. Veja as principais a seguir:

  • Em 2005, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) publicou a Resolução Nº 350, a qual determina que “a homologação da abertura de cursos na área da saúde pelo Ministério da Educação somente seja possível com a não objeção do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Saúde”;

  • Onze anos mais tarde, em 2016, o então deputado federal Rodrigo Pacheco (PMDB) apresentou o Projeto de Lei Nº 5.414/2016, o qual proíbe o incentivo do desenvolvimento de programas de educação a distância em cursos da área da saúde. A proposta está em andamento e seguirá para a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), responsável por, dentre outras temáticas, questões da área da saúde;

  • Ainda em 2016, o Conselho Nacional de Saúde publicou a Resolução Nº 515, na qual se posiciona contrário à autorização de todo e qualquer curso da área da saúde ministrado totalmente na modalidade a distância;


  • No ano seguinte, o Decreto Nº 9.057/2017 foi publicado, o qual permite o credenciamento de Instituições de Ensino Superior exclusivamente para cursos a distância, sem ressalvas para cursos de graduação da área da saúde. Antes da medida, as instituições que tivessem interesse em ofertar cursos EaD deveriam antes oferecer cursos presenciais;

  • Em abril de 2019, o deputado Dr. Jaziel (PR) apresentou o Projeto de Lei Nº 1.171  semelhante ao do deputado Rodrigo, também com a intenção de proibir o incentivo e veiculação de cursos a distância na área da saúde;

  • Seis meses depois, ainda em 2019, o Ministério Público Federal (MPF) encaminhou uma Recomendação para que o MEC suspendesse a autorização de novos cursos da área da saúde no formato EaD até que haja uma regulamentação sobre o desenvolvimento do ensino a distância;

  • Em dezembro de 2019, o MEC publicou a Portaria Nº 2.117, a qual autoriza que até 40% da carga horária total de cursos presenciais seja feita a distância, com exceção do curso de Medicina.

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O que pensam os órgãos representantes das instituições de ensino 

A diretora da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), Profa. Dra. Rita Tarcia, afirma que os cursos de graduação da área da saúde não seriam 100% a distância, o que, segundo ela, tornaria a formação nessa modalidade possível.

“Quando a gente fala na oferta da educação a distância de cursos na área da saúde, a gente não está fazendo referência a cursos totalmente a distância porque essas diretrizes curriculares que orientam todo o currículo do curso, projeto pedagógico do curso, na área da saúde, possuem componentes curriculares de caráter prático, que precisam ser realizados tanto no cenário da prática, quanto em laboratórios, em atividades que desenvolvam as habilidades práticas na instituição. Então para que o curso cumpra as exigências, as diretrizes, ele é organizado mesmo que na modalidade a distância, com carga horária específica para essas atividades que precisam ser presenciais”, argumenta Tarcia.

 

Para a professora, as graduações na área da saúde foram as últimas, junto com as engenharias, a serem consideradas para o formato EaD, justamente por exigirem condições mais complexas. No entanto, Tarcia dá destaque para o avanço da tecnologia e a possibilidade de levar o EaD também para essas áreas do conhecimento com o auxílio de novas ferramentas.

“Hoje a gente já tem laboratórios virtuais, que anos atrás a gente não tinha, tanto para engenharia quanto para a saúde. A gente já começa a ver no mercado simuladores, realidade aumentada, que são recursos tecnológicos que permitem experiências de aprendizagem adequadas aos objetivos educacionais desses cursos. Quando a gente fala de cursos na área da saúde, a gente está falando de cursos que têm atividades, disciplinas, experiências em ambientes virtuais e cursos que cumprem a exigência das diretrizes curriculares com práticas presenciais”, explica.

equipamentos para ensino a distância

Assim como a diretora da ABED, o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas, acredita que o ensino a distância pode vir a ser uma realidade nos cursos superiores da área da saúde, com os devidos cuidados para as atividades práticas.

A ABMES reconhece que os conselhos têm papel a ser cumprido, entretanto a regulamentação da educação superior cabe ao Ministério da Educação, juntamente com as diretrizes editadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

Claro que nem todo o conteúdo é possível ser ofertado remotamente, existem limitações à implementação de tecnologias, mas essa janela de ampla oferta não-presencial deixará um legado de que a educação a distância pode e deve ser importante aliada no acesso e expansão da educação superior”, ressalta.

 

Outra questão apontada por Tarcia sobre o ensino a distância em cursos da área da saúde é a otimização do tempo e recursos, além da ampliação da oportunidade de formação para pessoas que não possuem acesso aos grandes centros onde estão as universidades. Por outro lado, ela conta que compreende a insegurança em relação à modalidade.

Eu me coloco no lugar de um enfermeiro, de um veterinário, que não são da área da educação, que não trabalham com educação a distância, que não conhecem essa realidade, eu entendo que eles fiquem preocupados, inseguros, e entendo que é justo que lutem pela qualidade. Mas eu posso dizer, não é proibindo. Vamos juntar esforços para fazer da melhor forma”.

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O que pensam os conselhos e associações profissionais da saúde

A enfermeira, docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e colaboradora do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), Dra. Betânia dos Santos, posiciona-se contra o ensino a distância, ainda que as atividades práticas sejam realizadas de forma presencial, e destaca a importância de os conteúdos teóricos também serem realizados presencialmente. 

O COFEN considera o ensino híbrido ou a distância não apropriado para qualquer curso da saúde. Nem Medicina, nem Enfermagem, nem Odontologia, entre outros. São profissões que exigem que sejam presenciais, pois o objeto da ação profissional é no ser humano. A enfermagem é relacional e mesmo nas atividades teórico-práticas o relacional tem importância para aprendizagem”, declara.

Já Denise Flávio, presidente da Associação de Fisioterapeutas do Brasil (AFB), pensa que disciplinas como Metodologia de Ensino e Pesquisa até podem ser realizadas a distância, mas sustenta que as matérias da área da saúde sejam presenciais. “Temos que entender que lidar com a saúde, qualquer profissão que seja, é coisa séria. 

Então existem técnicas na sua grande maioria, que você precisa do contato, do visual e, através da manualidade do profissional, você consegue tratar o paciente. São coisas que você não pode fazer remoto. Quem está do outro lado é o ser humano. Precisamos ter cuidado e não pode tratar com banalidade o objeto do nosso trabalho, que é o ser humano”, pontua.

Foto: Reprodução/CNS
Campanha do Conselho Nacional de Saúde contra o ensino a distância em cursos da área da saúde

Tanto a presidente da AFB quanto a colaboradora do COFEN consideram a tecnologia uma ferramenta de auxílio e não de substituição. “Você tem um trabalho 100% em cima do paciente, de pessoas que realmente necessitam de cuidados.

E algum tipo de manobra errada que a gente faça pode levar lesões irreversíveis a esse público, seja porque nós vamos deixar de fazer tudo aquilo que elas precisam para se recuperar, então com isso você não vai conseguir dar a recuperação que a pessoa precisa”, acrescenta Flávio.

Ensino durante a pandemia: entenda como funcionam as aulas a distância nos cursos de graduação presenciais 

Quando questionada sobre a possibilidade do EaD ampliar a oferta de ensino e profissionais da saúde, a enfermeira apresenta uma contraposição. “Onde não tem a proximidade de um curso presencial em grande maioria são lugares sem acesso à internet, sem nenhum leito hospitalar, o que nos mostra que esse discurso é vazio, para apenas iludir estudantes que dificilmente conseguirão assumir um posto de trabalho ou só servirá para desvalorizar a profissão e deixar ainda mais insuficiente a prestação de serviços de saúde à população”, contesta.

Pandemia e o ensino remoto emergencial

Com a pandemia do coronavírus e a necessidade de distanciamento social para evitar o contágio da doença, a única opção para as instituições de ensino que optaram por manter as aulas foi o ensino remota, com aulas por meio de aplicativos de videoconferência e plataformas virtuais.

Em cursos da área da saúde essa medida também foi tomada, mas apenas com os conteúdos teóricos. 

Para o diretor-executivo da ABMES, a rápida adaptação das instituições ao ensino remoto tornam a resistência ao ensino a distância injustificável. “As instituições prontamente revisitaram seus projetos pedagógicos de cursos e juntamente com seu corpo docente mostraram que é o ensino remoto é viável, dinâmico e preserva a qualidade. Elas foram capazes de desenvolver conteúdos, adaptar disciplinas, reelaborar competências e habilidades sem que fosse obrigatório que o aluno e o professor estivessem no mesmo espaço físico. Acreditar que o aprendizado só acontece quando se está em uma sala de aula de alvenaria já não atende ao nosso tempo”, opina Caldas.

Embora reconheça que as instituições fizeram o possível nesse momento, Dra. Betânia dos Santos ressalta que a pandemia evidenciou a importância da interação humana na área da saúde. “

[A pandemia] mostrou o quanto a Enfermagem está todo o tempo ao lado do paciente,  tomando decisões, acolhendo, orientando e realizando atividades desde as mais simples às mais complexas. 

A luta contra o EaD vai continuar, pois  Enfermagem é a profissão que permanece 24h ao lado do paciente para assistir, proteger e dar segurança a eles e nunca pode ser vista como uma profissão reduzida ou de apoio”, diz.

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