Atualidades Enem: Copa de 1970 e Ditadura Militar
Em 1970, o Brasil se consagrou como o primeiro país tricampeão da Copa do Mundo de Futebol. Mas, por trás da alegria da vitória, o país sofria com a fase mais repressiva da Ditadura Militar.
Atualizado em 8 de julho de 2024
Era dia 21 de junho, final da Copa do Mundo de 1970, sediada no México. Brasil contra Itália. Aos 42 minutos do segundo tempo, os mais de 100 mil torcedores presentes no Estádio Azteca assistem ao então capitão da seleção brasileira, Carlos Alberto, marcar o quarto e último gol da partida.
Placar final: Brasil 4 x 1 Itália. Há exatos 50 anos, o Brasil se consagra o primeiro país tricampeão da Copa do Mundo de Futebol.
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Os craques da seleção foram recebidos com festa por milhares de brasileiros no aeroporto de Brasília. A euforia era tamanha que o governo havia decretado feriado nacional. Mas, por trás da alegria da vitória, o país sofria com a fase mais repressiva da Ditadura Militar.
O presidente da época, Emílio Garrastazu Médici, usou o novo título como propaganda política do regime militar. Apaixonado por futebol, Médici se apropriou das campanhas nacionalistas para evocar o patriotismo do povo e exaltar a ditadura, ofuscando a repressão e a tortura cada vez maiores do seu governo “linha dura”.
“Isso daria ao brasil um status muito importante no cenário mundial e o governo vai se utilizar disso. A vitória do Brasil na Copa seria um reflexo dos avanços econômicos que o Brasil estava tentando demonstrar. Isso seria importante para criar essa conexão de sucesso no esporte e sucesso da ditadura no seu sentido econômico”, esclarece Gabriel Feitosa, professor de História do Projeto X.
Anos de chumbo
Em 1964, um golpe militar tirou do poder João Goulart e inaugurou a Ditadura Militar do Brasil, uma série de governos autoritários que duraram mais de 20 anos. Nesse período, os opositores do regime foram perseguidos, os meios de comunicação e cultura censurados, os direitos políticos restringidos e milhares de pessoas mortas e torturadas.
Em 1969, Mécidi assume a presidência e coloca em prática o Ato Institucional nº 5 (AI-5), dando início ao período de maior violência e repressão política da ditadura: os anos de chumbo, que perduraram até o final de seu governo, em 1974.
Os Atos Institucionais possibilitavam a promulgação de regras e determinações políticas sem que estas precisassem serem aprovadas pelo Congresso. Eles eram usados para restringir as liberdades políticas individuais e a liberdade de expressão e instituir formas legais de perseguição aos opositores do regime.
Veja um trecho do AI-5, o mais severos dos atos até então:
Art. 5º – A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:
I – cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II – suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III – proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV – aplicação, quando necessário, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de frequentar determinados lugares;
c) domicílio determinado.
Em seu relatório final, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) estima que, no período de comando de Médici, 98 pessoas foram assassinadas por motivações políticas. Ao todo, de 1946 a 1988, a CNV identificou 434 casos de mortes e desaparecimento de vítimas.
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Milagre econômico
O governo de Médici também foi caracterizado por um enorme crescimento econômico no país, o chamado milagre econômico. Entre 1968 e 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 11,1% ao ano, enquanto no período anterior (1964-1967) o crescimento havia sido de 4,2%.
O avanço da economia brasileira acompanhava o crescimento da economia mundial. Nesse período, muitas multinacionais se instalaram no Brasil e foram construídas a Rodovia Transamazônica e a ponte Rio-Niterói, o que ampliou a oferta de empregos na indústria. Houve também um crescimento do mercado consumidor interno e externo, com o aumento das exportações e expansão poder de compra da classe média.
Entretanto, o milagre econômico aconteceu às custas das classes mais baixas. Isso porque os trabalhadores foram os mais afetados pelo arrocho salarial, a contenção dos salários decorrente do reajuste da inflação. Entre 1964 e 1985, o salário mínimo caiu 50% em valores reais. Sobre as contradições do milagre econômico, o professor Gabriel explica:
“O milagre econômico mostra um forte avanço do PIB mas uma estagnação do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), grande consumo da classe média mas arrocho salarial para os trabalhadores, ou seja, não houve aumento do salário mínimo naquele momento, teve até retração dos índices de alfabetização e a educação do brasil pouco avançou”.
Dessa forma, as mesmas políticas que levaram ao milagre econômico, fizeram aumentar as desigualdades sociais no país. Além disso, o crescimento foi financiado por grandes empréstimos, que aumentaram a inflação e a dívida externa.
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Futebol e política
O uso do esporte como propaganda política não foi novidade da Copa de 70, há registros da aproximação entre o esporte e a política desde os tempos antigos. “As olimpíadas na Grécia Antiga já mostravam a tentativa das polis de demonstrar sua força, seu poder político e seu aspecto de liderança militar”, exemplifica Gabriel.
O esporte também serviu de propaganda do governo fascista de Mussolini, na Itália, e de instrumento disputa entre soviéticos e norte-americanos nos campeonatos durante a Guerra Fria. No Brasil, o professor destaca o governos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek (JK), que se beneficiaram da euforia dos brasileiros nos campeonatos mundiais de futebol, boxe e tênis.
Durante a Copa de 1970, o governo Médici explorou a excitação nacional para investir em campanhas ufanistas, isto é, de patriotismo exagerado. Alguns slogans lançados na época foram: “Ninguém segura este país” e “Brasil; ame-o ou deixe-o”. O governo militar apropriou-se até do jingle da Copa “Pra frente Brasil”.
“De repente é aquela corrente pra frente
Parece que todo o Brasil deu a mãoTodos ligados na mesma emoção
Tudo é um só coração!Todos juntos vamos
Pra frente Brasil! Brasil!
Salve a Seleção!”– Trecho da música “Pra frente Brasil”
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O presidente Médici chegou a interferir até na escalação dos jogadores para o campeonato. Na época, a seleção era comandada pelo técnico e jornalista João Saldanha, conhecido militante comunista e contrário ao governo. No início de 1970, durante o sorteio de grupos da Copa, Saldanha levou ao México um dossiê denunciando a repressão praticada pela ditadura.
A poucos meses da Copa, o general Médici manifestou seu desejo em ver o jogador Dadá Maravilha no time brasileiro. Questionado pela imprensa sobre o pedido do presidente, Saldanha deu a famosa resposta: “Nem eu escalo ministério, nem o presidente escala time”. Aliado a outras desavenças, o episódio resultou na polêmica demissão de Saldanha, substituído pelo técnico Zagallo.
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Durante a preparação para os jogos, militares acompanharam de perto a seleção, mantendo o presidente informado sobre o dia a dia dos jogadores. O próprio Médici telefonava para os craques depois cada partida.
A vitória da seleção consagrou o Brasil como o país do futebol, mas também contribuiu para vangloriação do regime opressor. No livro “Futebol ao sol e à sombra”, Eduardo Galeano descreve:
“Em pleno carnaval da vitória de 70, o general Médici, ditador do Brasil, presenteou com dinheiro os jogadores, posou para os fotógrafos com o troféu nas mãos e até cabeceou uma bola na frente das câmaras. A marcha composta para a seleção, Pra frente Brasil, transformou-se na música oficial do governo, enquanto a imagem de Pelé voando sobre a grama ilustrava, na televisão, anúncios que proclamavam: Ninguém segura o Brasil.”
Contrários a toda essa euforia, opositores do regime e grupos de esquerda consideravam o futebol o “ópio do povo”, utilizado como instrumento de propaganda e alienação da população, desviando a atenção dos problemas sociais, numa espécie de “política do pão e circo”.
Nos anos seguintes, questionados sobre a conveniência com o governo ditador, os jogadores declararam não apoiar o regime nem saber dos crimes cometidos pelo militares. Em entrevista à Revista Placar, em 1984, o ex-jogador Pelé, considerado o rei do futebol, declarou:
[Ernesto] Geisel e o Médici. Indiretamente, é claro que era um uso [da minha imagem]. Mas eu era consciente. Eu cedia porque, na minha posição, você tem de fazer concessões.”“É difícil evitar um presidente, por exemplo, como o
Na Copa de 1974, a seleção do Brasil não repetiu o sucesso do campeonato anterior, ficando em quarto lugar. No mesmo ano, o governo militar foi atingido pela crise do petróleo, que culminou no fim do milagre econômico e piora da economia nacional.
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Copa de 70 e Ditadura Militar: como pode cair no Enem?
Os 50 anos da conquista do tricampeonato da Copa de 1970 no contexto da Ditadura Militar é, sem dúvidas, tema relevante para qualquer vestibular, inclusive o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Para o professor Gabriel, o exame pode explorar a questão da propaganda do governo Médici, usando o esporte como uma alavanca patriótica e nacionalista. “É aquilo: se o Brasil funciona nas quatro linhas, se ele dá show no gramado, é porque, de fato, o Brasil funciona como país”, afirma.
O professor ainda destaca o esporte como uma forma de construção da identidade do Brasil, não só na Copa de 70, mas em outros mundiais também. Além disso, é importante que o candidato entenda as contradições do chamado milagre econômico e as relações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos na época, que atendiam aos interesses da Guerra Fria.
Na opinião do professor de História da Oficina do Estudante, Felipe da Costa Mello, pelo contexto de Ditadura Militar, é pouco provável que o tricampeonato apareça no Enem. “Este tema tende a não ser pauta do Enem, durante o governo Bolsonaro. Contudo, se o tema aparecer será relacionando o uso do futebol como instrumento de propaganda da ditadura militar”, explica.
Mas, para o professor Gabriel, é preciso ter cautela: “Os alunos às vezes acham que por conta do atual governo o assunto regime militar não vai cair, isso não é uma certeza”.
E na redação?
Na redação do Enem, a relação entre futebol e política também pode ser aguardada. “Na verdade, não há tema que não seja político, afinal, por exemplo, pode-se discutir meio-ambiente ou futebol com um viés político”, aponta Ana Cristina Campedelli, professora de redação, também da Oficina do Estudante.
Na temática futebol, a professor Ana Cristina acredita num enfoque relacionado com a pandemia: “Como a falta da torcida durante as poucas partidas de futebol que ocorreram na pandemia tornam sem sentido a realização das mesmas, ao mesmo tempo que a realização delas são políticas, ou seja, não deixam de ser um desvio da atenção ao problema maior que nos ronda, o coronavírus ou mesmo a quantidade absurda de mortos”.
Independentemente do tema da redação, a dica da professora é não usar palavras de baixo-calão, como xingamentos ou palavrões. Ela também aconselha o uso dos termos “autoridade”, “atual governo” ou “Ministro da…”, ao invés de citar nomes de políticos.
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